
Muitos  moradores saíram apenas com os documentos e a roupa do corpo | Foto:  Divulgação/Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos
Samir Oliveira
O pedreiro Benedito Alves, de 52 anos, acordou às 5h30 de domingo  (22) para tomar um copo d’água. O dia mal se anunciava, mas ele já  percebia que havia algo estranho em Pinheirinho. “Escutei barulho de  helicóptero e, quando saí para a rua, tinha 200 policiais na volta”,  lembra.
Benedito só teve tempo de chamar sua esposa, que tem 64 anos, e sair  correndo de casa, conforme ordenavam os homens fardados com armas nas  mãos. No meio da confusão, o pedreiro não escapou de ser alvejado na  perna. “Mandaram sair e pegar somente os documentos e uma muda de roupa.  Fui agredido, levei um tiro de borracha na perna, foi um caos muito  grande”, comenta o morador de Pinheirinho – bairro pobre da cidade de  São José dos Campos, em São Paulo, que foi invadido pela Polícia  Militar, que executava uma ação de reintegração de posse sem a permissão  da Justiça Federal.
 Deslocado para uma igreja na região, junto com cerca de 1,5 mil dos  mais de 5 mil moradores de Pinheirinho, Benedito não sabe para onde irá  depois que o templo não mais lhe der abrigo. “Minha casa vai ser  demolida, e tudo que eu tenho está lá dentro. Não tenho para onde ir. O  certo mesmo seria eu ir morar na casa do Cury”, comenta, irritado, ao  mencionar o nome do prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury  (PSDB).
Deslocado para uma igreja na região, junto com cerca de 1,5 mil dos  mais de 5 mil moradores de Pinheirinho, Benedito não sabe para onde irá  depois que o templo não mais lhe der abrigo. “Minha casa vai ser  demolida, e tudo que eu tenho está lá dentro. Não tenho para onde ir. O  certo mesmo seria eu ir morar na casa do Cury”, comenta, irritado, ao  mencionar o nome do prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury  (PSDB).Expulsos de suas casas, moradores se amontoam em abrigos improvisados | Foto: Filipe Jordão
Expulso de sua casa e jogado num abrigo sem colchão, banheiro,  cobertor ou perspectivas, o pedreiro apela ao único poder no qual  confia: “Só mesmo Deus para nos ajudar numa hora dessas”.
“Nos tiraram de lá que nem cachorros”
A diarista Climelta de Souza Abreu, de 30 anos, está desesperada.  Expulsa do lugar onde vivia há oito anos, ela não sabe o que dizer a  suas filhas – de 14, 10, 9 e 6 anos. “Eles me perguntam onde nós vamos  morar e eu não tenho nenhuma resposta para dar. Não tenho para onde ir”,  lamenta, sem conseguir conter as lágrimas.
Assim como toda a população de Pinheirinho, Climelta foi escorraçada  de sua casa e agora se amontoa com suas crianças numa igreja nas  redondezas. A diarista ainda está horrorizada com a maneira como ela e  seus vizinhos foram tratadas pela polícia. “Nos tiraram de lá que nem  cachorro. Bateram em várias mulheres, inclusive em grávidas”, conta.
“Virou um campo de guerra”
A ação da Polícia Militar de São Paulo para desocupar a comunidade de  Pinheirinho, em São José dos Campos, não ocorreu por acaso num domingo.  Assim como não foi por acaso que ocorreu sem nenhum tipo de aviso  prévio.
O poder público sabia que os mais de 5 mil moradores do local estavam  dispostos a proteger com a vida o terreno inativo há mais de 30 anos e  que utilizavam como lar desde 2004. Nas últimas semanas, na iminência de  uma ação policial, os habitantes de Pinheirinho haviam se armado com  paus, escudos e canos de PVC.
 Pegos de surpresa na manhã de domingo, mal tiveram condições de  reagir diante dos mais de 2 mil policiais, 220 viaturas, 100 cavalos, 40  cães e dois helicópteros que cercaram o local. Sitiados em seu próprio  bairro, alguns moradores começaram a jogar pedras. Em troca, recebiam  bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.
Pegos de surpresa na manhã de domingo, mal tiveram condições de  reagir diante dos mais de 2 mil policiais, 220 viaturas, 100 cavalos, 40  cães e dois helicópteros que cercaram o local. Sitiados em seu próprio  bairro, alguns moradores começaram a jogar pedras. Em troca, recebiam  bombas de gás lacrimogêneo e balas de borracha.“Estavam sitiados com a tropa de choque na porta de suas casas.  Começou uma reação dos moradores e virou um campo de guerra”, descreve a  jornalista Eliane Mendonça, do Sindicato dos Metalúrgicos de São José  dos Campos e Região.
“A Justiça trabalha pelo direito à propriedade, não pelo direito à dignidade”, critica deputado
Assim que ficou sabendo da ação policial para arrancar os moradores  de Pinheirinho de suas casas, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP)  se deslocou para o local, onde chegou ainda na manhã de domingo (22).  Assim como todas as autoridades que tentaram interceder para que a  operação não ocorresse, o parlamentar não conseguiu transpor a barreira  policial que bloqueava o acesso ao bairro.
O deputado lamenta que a ação da polícia tenha ocorrido à revelia de  duas liminares que impediam a desocupação de Pinheirinho: uma  extinguindo por 15 dias o processo de falência da empresa detentora do  local – de propriedade do empresário Naji Nahas –, e outra da Justiça  Federal impedindo a reintegração de posse. “É uma Justiça que trabalha  pelo direito à propriedade, não pelo direito à dignidade humana e à  vida”, critica Ivan Valente.
Presente para avalizar a ação, o desembargador do Tribunal de Justiça  de São Paulo, Rodrigo Capez, irmão do deputado estadual Fernando Capez  (PSDB), ignorou a liminar entregue por um oficial da Justiça Federal e  garantiu a continuidade da desocupação.
 Também presente no acesso a Pinheirinhos, o deputado federal Paulo  Teixeira (PT-SP) aponta suas críticas ao governo estadual, do tucano  Geraldo Alckmin. “Foi mais uma demonstração de que o PSDB ainda trata o  tema social como caso de polícia”, condena o petista.
Também presente no acesso a Pinheirinhos, o deputado federal Paulo  Teixeira (PT-SP) aponta suas críticas ao governo estadual, do tucano  Geraldo Alckmin. “Foi mais uma demonstração de que o PSDB ainda trata o  tema social como caso de polícia”, condena o petista.Ivan Valente está recolhendo denúncias de abusos ocorridos contra  moradores e pretende convocar uma audiência pública para tratar do caso  na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. “Vamos convidar  testemunhas e autoridades, inclusive o prefeito Eduardo Cury”, adianta.
Secretário da presidência da República levou um tiro na perna
Não foram somente os moradores pobres de Pinheirinho que foram  alvejados pela polícia durante a ação de reintegração de posse ocorrida  no último domingo (22). Dessa vez, a repressão foi, a seu modo,  democrática: atingiu até os altos escalões de Brasília.
O secretário nacional de Articulação Social, Paulo Maldos,  subordinado ao ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da  Presidência da República, foi atingido na perna por uma bala de borracha  enquanto tentava, em vão, interceder junto à polícia.
A identificação oficial e a autoridade de quem representava a  presidente Dilma Rousseff não foram o bastante frente à truculência.  “Peguei o meu cartão da Presidência, mas o que recebi foram armas  apontadas para mim”, disse o secretário, em declaração à imprensa nesta  segunda-feira (23).
 “Percebendo um perigo real, voltei e fui conversar com os moradores.  De repente, começaram a voar bombas de gás. Todos saíram correndo e eu  levei um tiro, que me atingiu na perna. Eu, como representante da  Presidência da República, fui atingido por uma bala. Estou indignado”,  comentou.
“Percebendo um perigo real, voltei e fui conversar com os moradores.  De repente, começaram a voar bombas de gás. Todos saíram correndo e eu  levei um tiro, que me atingiu na perna. Eu, como representante da  Presidência da República, fui atingido por uma bala. Estou indignado”,  comentou.Depois de ser alvejado, Paulo Maldos tentou, novamente, se  identificar como representante da Presidência da República. A única  resposta que ouviu de um oficial da Polícia Militar foi um deboche: “Se  você quiser, vai pedir para a sua presidente vir falar comigo”.
Informações desencontradas sobre mortos e feridos
 Até agora, nenhuma informação oficial sobre a ação de reintegração de  posse em Pinheirinho apresenta número de mortos ou feridos. A Polícia  Militar de São Paulo diz apenas de foram detidas 16 pessoas e que tudo  ocorreu “com tranquilidade”.
Até agora, nenhuma informação oficial sobre a ação de reintegração de  posse em Pinheirinho apresenta número de mortos ou feridos. A Polícia  Militar de São Paulo diz apenas de foram detidas 16 pessoas e que tudo  ocorreu “com tranquilidade”.Porém, entre os moradores expulsos de suas casas, pipocam inúmeras  informações, dentre elas a de que teriam ocorrido sete mortes –  inclusive a de uma menina de quatro anos, que teria sido atingida no  pescoço por uma bala de borracha. Além disso, há denúncias de que  pessoas estão desaparecidas.
“Oficialmente, nem a prefeitura nem a polícia confirmam nada. Mas  cada morador tem uma história para contar. Há crianças desaparecidas,  mães que procuram seus filhos e filhos que procuram seus pais idosos”,  relata a jornalista Eliane Mendonça, que passou a segunda-feira (23)  numa igreja convertida em acampamento.
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB de São José dos  Campos, Aristeu César Pinto Neto, garantiu que a operação policial fez  vítimas fatais. “O que se viu foi a violência do Estado típica do  autoritarismo brasileiro, que resolve problemas sociais com a força da  polícia. Há mortes, inclusive de crianças. Estamos fazendo um  levantamento no IML e tomando as providências para responsabilizar os  governantes que fizeram essa barbárie”, disse, em entrevista à TV  Brasil.
 
 
 
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