“Não há motivos para festa neste Dia do Índio. Vivemos uma onda de ataques sem precedentes aos direitos dessa população no Brasil”
“Por que eles incomodam? Porque as terras em que vivem, homologadas e reservadas, saem do mercado fundiário”
(Antropólogo Eduardo Viveiros de Castro)
(Antropólogo Eduardo Viveiros de Castro)
Os constituintes de 1988 deixaram para o Brasil e como exemplo para o
mundo talvez a contribuição mais rica e singular de todo o texto
normativo da Carta Magna: reconheceram os direitos originários das
populações indígenas sobre terras tradicionalmente ocupadas por elas.
Medida que, inscrita no artigo 231, casado com outros dispositivos
relativos aos índios, intenta alcançar um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, qual seja construir uma sociedade livre,
justa e solidária (Inciso I, Artigo 3º).
Decisão de relevo, os constituintes admitiram a dívida histórica para
com nossos índios, vítimas da perversa colonização “superior”, em que
foram dizimados, maltratados, incompreendidos e condenados a viver sem
respeito à sua cultura e modo de organização social.
Passados 24 anos de euforia de uma sociedade participativa integrada
com a Constituinte Cidadã, persiste, porém, o agudo sentimento de que o
avanço conservador identificado nos últimos anos para a retirada de
direitos e garantias constitucionais nada mais significam do que o
preconceito repaginado e a visceral política de setores do agronegócio,
no Congresso Nacional, que privilegiam propriedade e lucro. Sempre mais,
a qualquer preço, em qualquer tempo.
A Constituição exaltada dorme com inimigos. Vergonhosamente, 38
deputados da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, contra o
voto de apenas dois, admitiram no último dia 21 a Proposta de Emenda
Constitucional (PEC 215/2000) que tira do Executivo a prerrogativa de
aprovar e demarcar terras indígenas, transferindo ato de caráter
administrativo para competência exclusiva do Congresso Nacional.
Para que assim seja, querem incluir inciso no artigo 49, modificar o
parágrafo 4º e acrescentar o 8º no artigo 231. Se insurgem contra texto
de inestimável valor, sobre o qual o ministro Carlos Ayres Britto, do
STF, depositou formidável argumentação em defesa da demarcação contínua
da Terra Indígena Raposa Serra do Sol em março de 2009. Tese vencida
pela goleada de 10 a 1.
A Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas tem a convicção de
que a matéria jamais deveria ter sido recepcionada na CCJC (logo
nela!), e pretende continuar lutando para que a PEC 215 não chegue a
plenário. É cristalina a inconstitucionalidade, ferindo cláusula que
julgo pétrea, por avançar na competência de outro Poder e abolir
direitos (Artigo 60).
Se em plenário chegar, Inês é morta. A superioridade numérica da
bancada conservadora estraçalhou o Código Florestal, impede há 20 anos a
votação do Estatuto dos Povos Indígenas e a tramitação da PEC do
Trabalho Escravo já ultrapassa uma década.
As terras indígenas são bens da União para usufruto dos habitantes
originários da terra brasilis. Congressistas que defendem interesses
econômicos as querem propriedade privada, lançando-as ao mercado
fundiário, como diz o antropólogo Viveiros de Castro. Será um retrocesso
ignominioso. A sociedade brasileira não pode permitir.
Não há motivos para festa neste Dia do Índio. Vivemos uma onda de
ataques sem precedentes aos direitos dessa população no Brasil.
Padre Ton é deputado federal pelo PT de Rondônia.
Presidente da Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas e segundo
vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias e presidente
da Comissão Especial de Exploração de Minérios em Terras Indígenas. Foi
prefeito de Alto Alegre dos Parecis (RO)
(Artigo publicado originalmente no site Congresso em Foco)
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário!!