31 de outubro de 2011

Lula: até onde vai o câncer do preconceito

Por Geraldo Elísio

"E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem." -  Lucas 23:34
Impressionante a carga de preconceito demonstrada nas redes sociais em função do câncer de laringe diagnosticado no ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mandando-o ir se tratar no SUS. Só para citar dois exemplos, recentemente faleceram vítimas de doenças insidiosas o ex-presidente Itamar Franco e o ex-vice- presidente da República José Alencar.
Claro, ninguém se manifestou nas redes sociais a favor de que eles fossem procurar o SUS na busca de soluções médicas para os problemas que os vitimaram. E foi humano que assim tivesse acontecido. Por que a manifestação só contra o Lula? Sinto-me a vontade para falar disso por duas razões básicas.
Primeiro, em qualquer circunstância, sou um torcedor fanático pela vida e, em hipótese alguma torço pela morte de quem quer que seja. Segundo, quando não gosto da administração de alguém, como jornalista, posso expressar de público. Calma! Sei que nem todos os cidadãos e cidadãs são jornalistas e não dispõem desse meio.
Mas todos somos eleitores e temos o direito e o dever de usarmos o voto com o qual podemos remover quem quiser do poder. Mais, a exemplo do Fernando Collor de Melo, se o povo se dispuser a sair às ruas pacífica e ordeiramente e pedir o impeachment, já está provado historicamente que isso é possível.
Foi tão bravo o preconceito que o jornalista Gilberto Dimenstein, da FSP, hoje residindo nos Estados Unidos se sentiu envergonhado – e com razão, eu também – e em determinado trecho de sua coluna de final de semana publicou:
“...foi uma enxurrada de ataques desrespeitosos, desumanos, raivosos, mostrando prazer com a tragédia de um ser humano. Pode sinalizar algo mais profundo.
Centenas de e-mails pediam que Lula não se tratasse num hospital de elite, mas no SUS para supostamente mostrar solidariedade com os mais pobres. É de uma tolice sem tamanho. O que provoca tanto ódio de uma minoria?
Lula teve muitos problemas - e merece ser criticado por muitas coisas, a começar por uma conivência com a corrupção. Mas não foi um ditador, manteve as regras democráticas e a economia crescendo, investiu como nunca no social.
No caso de seu câncer, tratou a doença com extrema transparência e altivez. É um caso, portanto, em que todos deveriam se sentir incomodados com a tragédia alheia.
“Minha suspeita é que a interatividade democrática da internet é, de um lado, um avanço do jornalismo e, de outro, uma porta direta com o esgoto de ressentimento e da ignorância...”
Uns realmente agiram assim por ressentimento, mal caratismo – em muitos que vi na internet posso apontar e se eles assim o desejarem apontarei em juízo – total desclassificação para ter este comportamento. Outros por ingenuidade ou desconhecimento de causas mais profundas, até porque a mídia não os informa e se não os informa, como eles irão saber?
Por outro lado sou um crítico acérrimo do ex-presidente Lula, mas uma coisa envolve denúncias de determinado comportamento administrativo, outra coisa é o humanismo que a humanidade demonstra estar perdendo a cada dia.
No EUA o presidente Barack Obama luta para implantar um modelo de saúde pública igual ao SUS e sofre até ameaças físicas dos integrantes do Tea Party. O SUS tem um vasto caminho a ser percorrido para se tornar perfeito, notadamente naquilo que diz respeito às marcações de consultas especializadas. Falha também na média complexidade, mas em termos de alta complexidade o atendimento sem luxo de um hotel de cinco estrelas é perfeito, humano, com médicos dedicados e paramédicos idem, tecnologia de ponta e medicamentos,
A Associação Médica de Minas Gerais, há aproximadamente uns cinco anos passados, trouxe para uma conferência o jornalista Mauro Santayana, que na ocasião revelou um dado: uma pesquisa indicava que 75% da população brasileira apoiava o SUS. E os 25% dos que condenavam o órgão não precisavam dele e nunca tinham utilizado os seus serviços.
Recentemente fui vitimado por um infarto e atendido pelo SUS na Santa Casa de Misericórdia de Belo Horizonte, que em termos de estrelas não tem apenas uma, mas ostenta o luxo do humanismo, da competência profissional, do equipamento de ponta e dos medicamentos necessários ao restabelecimento de uma saúde perfeita.
O serviço de oncologia da Santa Casa de Saúde de Belo Horizonte, que atende também pelo SUS, é uma referência nacional, bem como o serviço de urologia, principalmente a parte de hemodiálise. Seria bom se a mídia pudesse pautar esses detalhes. Incluindo a maternidade e a pediatria, com o maior aproveitamento mundial de cirurgias para a separação de siameses. Trabalho que comporta a movimentação de um verdadeiro batalhão de médicos de todas as especialidades. Igualmente pelo SUS.
Da mesma forma como o Hospital João XXIII é uma referência em poli-traumatismo. Também passei por lá quando sofri um atropelamento de moto. Estou falando do que senti na pele com um corpo massacrado por um motociclista irresponsável e por um coração de poeta que se sabe lá porquê resolveu explodir. Não desejo que ninguém seja atropelado ou tenha infarto para atestar isto, mas se levarem a sério o meu depoimento já está de bom tamanho.
Longe de mim que sou contra a censura e a favor da livre expressão do pensamento tentar limitar alguém. Precisamos lutar pela manutenção do SUS, por melhorias que o tornem cada vez mais viável e numa sociedade que a todo momento fala em Deus e no humanismo, torcer pela recuperação do homem Luiz Inácio Lula da Silva, sem termos absolutamente nenhum compromisso com a ideologia dele ou comportamento político-partidário.
Até porque nenhum ser humano, de qualquer quadrante, até onde eu sei está livre de ter câncer ou outra doença qualquer que o mate um dia. Eu mesmo sou sobrevivente.  Drumond de Andrade, o poeta de Itabira (hoje é seu dia) em sua genialidade poética disse que todos nós, a partir de 40 anos passamos a conviver com nossa causa mortis. Vanitas vanitatis.
Seremos mesmo todos a imagem e semelhança de Deus? O que estão fazendo com o ex-presidente Lula, ser humano como qualquer um de nós, é imoral e torpe.

Este espaço é permanentemente aberto ao democrático direito de resposta a todas as pessoas e instituições aqui citadas.

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