24 de outubro de 2011

Maria Izabel Noll: PT e PMDB aguardam para mover suas peça

Maria Izabel Noll analisa o cenário político em Porto Alegre a um ano da eleição municipal | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Daniel Cassol

As pesquisas sobre identidade partidária e comportamento político, realizadas pela cientista política e professora da UFRGS, Maria Izabel Noll, mostram que, em Porto Alegre, PT e PMDB definem o rumo das disputas em razão de sua força eleitoral no município. E são os dois partidos que, no momento em que a disputa na capital gaúcha se assemelha a um jogo de xadrez, aguardam para movimentar suas peças no tabuleiro.
“O jogo está em saber como os dois grandes partidos vão se posicionar, como nesse posicionamento se acomodam as coligações e o que essas duas candidaturas, a se manter Manuela e Fortunati, vão apresentar”, afirma a pesquisadora.
Em entrevista concedida ao Sul21 na última quinta-feira (20), Maria Izabel Noll analisou as mais recentes movimentações no xadrez das eleições em Porto Alegre – em especial, as denúncias veiculadas pela imprensa que respingaram na deputada federal Manuela D’Ávila (PCdoB) e as notícias sobre uma possível aproximação do PT com o prefeito José Fortunati (PDT).
Para a professora da UFRGS, a eventual aliança do PT com o PDT poderia se mostrar uma estratégia vitoriosa eleitoralmente, mas dependeria da movimentação do PMDB, avalista da gestão de Fortunati. Por outro lado, se o PT optasse por uma candidatura própria, o risco seria repetir a eleição de 2008 – na qual Manuela e Maria do Rosário disputaram separadas, permitindo a reeleição de Fogaça. Por fim, o apoio do PT à Manuela poderia solucionar dois problemas da eleição passada: a ausência de nomes novos no PT e de base partidária de Manuela.

Sul21 – Como a senhora analisa o cenário eleitoral em Porto Alegre neste momento?
Maria Izabel Noll – Antes de mais nada, precisamos entender o seguinte. Em Porto Alegre, com ênfase maior do que em outras capitais brasileiras, os eleitores se identificam com algum partido político. Em torno de 20% a 22% se identificam com o PT. Isso é bastante alto e significa que a opção eleitoral vai ser com o partido, às vezes até independente do candidato. O segundo partido em Porto Alegre é o PMDB, que tem em torno de 8%. Depois, vem o PDT, em torno de 4%, e segue numa gradação que tem a ver com eleitor de Porto Alegre, que é de centro esquerda. Não é um eleitor que tradicionalmente vote em candidatos da direita.

"Há uma corrente no PT a favor do candidato próprio. Só que o PT tem sofrido uma ausência na renovação de lideranças no Rio Grande do Sul muito grande" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Mesmo com esse índice, o PT vem perdendo em Porto Alegre.
Maria Izabel Noll – O PT tem perdido em Porto Alegre, mas em 2004, a derrota teve muito a ver com um certo esgotamento do modelo – 16 anos no governo não é pouca coisa. A derrota de 2008 é de uma ausência de cálculo político absoluto. Ela aconteceu muito mais por um equívoco de estratégia da oposição do que propriamente por qualidades da situação. É incompreensível que um prefeito como José Fogaça (PMDB), que em março de 2008 tinha um nível de aprovação baixíssimo, seja reeleito com uma alta votação. Houve uma reversão, que se dá no final de agosto e início de setembro, em plena campanha eleitoral, mas ela se deve também a uma estratégia das candidatas (Manuela D’Ávila e Maria do Rosário) de oposição, de ausência de ataques ao candidato do governo.

Sul21 – Há uma tendência de se evitar ataques aos adversários nas campanhas.
Maria Izabel Noll – É a visão de que o eleitorado não gosta de uma campanha agressiva. Em 2004, o eleitorado podia não gostar de uma campanha agressiva. Vinha no embalo da eleição de 2002, com Germano Rigotto (PMDB). Fogaça não deixou fazer uma campanha agressiva em 2008. Foi um erro considerar que o eleitor não queria uma campanha agressiva. O eleitor simplesmente não ouviu por parte das candidatas de oposição nenhuma cobrança sobre a administração. Isso foi deixado para o segundo turno, mas aí Fogaça já tinha um patamar tão cômodo que foi impossível de ser revertido. Não temos um eleitorado volúvel em Porto Alegre. Ele tem um padrão de regularidade muito grande. O eleitor muda de voto, mas dentro de parâmetros previsíveis. Em função dissso, vamos pensar em 2012. O cenário não deixa de reproduzir a polarização. Uma candidata de um partido minoritário, o PCdoB (Manuela D’Ávila), e um candidato de um partido que foi importante, mas não é mais, que é o PDT (José Fortunati). As duas forças majoritárias, PT e PMDB, estão se movendo no jogo político para ver quem irão apoiar. Se o PT apoiar o Fortunati, claramente o PMDB sai por outro lado. O PMDB é um partido que possui uma força eleitoral muito grande, mesmo em Porto Alegre. Se o PMDB apoiar o Fortunati, ou o PT lança candidato próprio ou apoia a Manuela. Há uma corrente no PT a favor do candidato próprio. Só que, não tenho a menor dúvida, o PT tem sofrido uma ausência na renovação de lideranças no Rio Grande do Sul muito grande. As alternativas de candidato dentro do PT têm sido sistematicamente reproduzidas. O eleitorado tem um padrão de comportamento razoavelmente equilibrado, mas ele também tem demandas que vão se adaptando às circunstâncias. O que tem de favorável ao PT no momento? A aprovação do governo Dilma. O PT pode se beneficiar, mas resta saber se o PT nacional pensa da mesma forma que o PT estadual, e como essa pressão vai se dar ao longo dos próximos meses. É uma incógnita.

Bruno Alencastro/Sul21
"A candidatura da Manuela poderia ter um céu de brigadeiro nos próximos meses e realmente decolar. Vai haver agora um mês ou dois em que ela vai ter que apagar incêndios. Uma coisa é partir para negociações e pensar na eleição" | Foto: Bruno Alencastro/Sul21

Sul21 – Nos últimos dias, tem se falado numa possível aproximação do PT com o prefeito José Fortunati. O fato de não ter candidato próprio em uma cidade como Porto Alegre não prejudicaria o PT?
Maria Izabel Noll – Necessariamente, não. São estratégias partidárias. Isso tem que ser pensado na perspectiva de uma aliança exitosa, praticamente segura, ou uma candidatura própria, com nível de risco bastante alto. Esse é um ponto que vai ter que ser pensado. Houve uma certa aproximação do Fortunati, a visita da Dilma demonstrou isso, do que há de possibilidade de alianças. Por outro lado, o Fortunati não é necessariamente o conjunto do PDT. Ele tem uma aliança com outros partidos – sua base aliada não deixa de ser uma base que foi construída na perspectiva do PMDB. Até que ponto uma aliança com o Fortunati é segura? Uma candidatura numa aliança com contendores já no poder é uma coisa. Uma aliança com um setor que não está no poder, mas que pode chegar, pode ser mais distante, mas pode ser uma possibilidade. Essa (apoio a Manuela) seria uma aliança onde PT visivelmente seria o lado mais forte da aliança. Dadas as devidas distâncias, um pouco do que foi o PMDB no governo Yeda. O PSDB é um partido praticamente inexistente no Rio Grande do Sul. O PMDB se beneficiou muito do governo Yeda, porque era o lado forte da coligação. Com a Manuela, o PCdoB não tem quadros suficientes para ocupar a administração, e uma aliança fecharia uma candidatura palatável, provavelmente com uma boa aceitação na população. Seria uma possblidade. Os personagens estão aí. Sabemos quem são os protagonistas, mas ainda não sabemos o enredo. O que tem de novo, que aparentemente que complica, é o problema do ministério do Esporte.

Sul21 – Dada a distância da eleição, como isso interfere na candidatura Manuela?
Maria Izabel Noll – Não chega a prejudicar a candidatura, mas reduz a velocidade na configuração da candidatura. A candidatura da Manuela poderia ter um céu de brigadeiro nos próximos meses e realmente decolar. Vai haver agora um mês ou dois em que ela vai ter que apagar incêndios. Uma coisa é partir para negociações e pensar na eleição. Outra, é primeiro ter que apagar focos de incêndio para que a futura conversação se estabeleça. Para a Manuela, é um desafio bem complicado. Por outro lado, estamos a um ano da eleição e muita água rola. Estamos trabalhando com um cenário provável, mas não definitivo nem que não possa ser transformado. Agora, o capital da Manuela, de total ausência de questões relativas à corrupção, já não está absolutamente intocado.

"O que se verificou em 2008 é que, de um lado, estrutura partidária é fundamental, e de outro a cultura política pesa neste momento do voto, digamos, mais racional" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Manuela depende de um partido como o PT para disputar a eleição com competitividade?
Maria Izabel Noll – Depende. E digo isso com base nos dados da eleição de 2008. Ela saiu muito bem de início. Todos os candidatos praticamente começaram em torno dos 17%. Fogaça teve um crescimento constante. Maria do Rosário chegou no segundo turno praticamente no mesmo patamar inicial. Manuela começou a campanha, teve um crescimento muito grande e uma queda. A queda, podemos entender pelo recorte nos dez dias antes da eleição. Maria do Rosário fica literalmente no patamar do voto no PT. Nos últimos dias, Manuela começa a se ressentir – primeiro fez uma aliança complicada, eram dois partidos pequenos, PCdoB e PPS. Ela fez o voto do PCdoB, de algumas categorias em que entra bem, como juventude, estudantes, mas começou a pesar nos últimos dias a ideia da base partidária. O eleitor começa a pensar como o candidato vai governar. Como a Manuela iria governar era uma incógnita. Ela tinha muito carisma, mas ao se aproximar a eleição o eleitor se aproxima da racionalidade. E a Manuela fez muito voto na zona do PPS, aquele voto de periferia e populista. Analisando as tabelas de 2008, é interessante ver no cruzamento do voto por partido e a renda dos bairros. É interessante que tu tenhas os partidos liberais com boa votação nos bairros de renda baixa. A Manuela, sozinha, não faz verão, mesmo com toda sua capacidade. O que se verificou em 2008 é que, de um lado, estrutura partidária é fundamental, isso não há duvida, e de outro a cultura política pesa neste momento do voto, digamos, mais racional. Isso traz outras dimensões: a economia está bem, a tendência é do não mudar, ou mudar dentro do conhecido.

Sul21 – Há uma tendência de que os prefeitos se reelejam e o voto no município seja de manter as administrações?
Maria Izabel Noll – O que tem caracterizado a prefeitura de Porto Alegre nos últimos anos é o imobilismo. As prefeituras hoje têm recursos a rodo. Mais de 60% dos prefeitos em todo o Brasil se reelegeram por isso. Em Porto Alegre, um traço do eleitorado é a estabilidade, de não haver grandes mudanças.

"Estamos em uma situação que por razões transversas a prefeitura foi parar na mão do PDT, mas respaldado pelo PMDB. Como fazer esse casamento PT-PDT? É o cenário dos sonhos para o Fortunati" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – O prefeito José Fortunati parece ter, na condução das obras relacionadas à Copa e da construção do metrô, a chance de conquistar capital político. De que forma a questão das grandes obras influenciam?
Maria Izabel Noll – Às vezes, há uma interpretação de que o eleitor não raciocina, vota mal. Em primeiro lugar, a classe política tem a ver com a cara do eleitor, isso é um problema de espelho. A questão das obras: o eleitor sabe perfeitamente quem realiza e quem não realiza. Onde a situação complica? A obra pública é o calvário do político. Se ela não é realizada, ela se transforma num elemento de crítica constante. Se o prefeito fez, a rapidez da incorporação daquele serviço pelo usurário é rápida – não é à toa que todos deixam para fazer a obra no ano da eleição. Se ele faz dois anos antes da eleição, o eleitor esquece. Se ele fizer, não fez nada mais que a obrigação. Se não fizer, vai ser chumbo grosso em cima. Não digo que comandar as obras da Copa seja um grande capital. A opinião das pessoas sobre a Copa, se deve vir ou não, se é importante ou não, é tão diversa, a amplitude das opiniões é de tal ordem que não sei se há benefícios. O jogo está em saber como os dois grandes partidos vão se posicionar, como nesse posicionamento se acomodam as coligações e o que essas duas candidaturas, a se manter Manuela e Fortunati, vão apresentar. Pensemos o seguinte. Tivemos um período de 16 anos do PT que muita coisa foi feita. A cidade já teve uma cara muito melhor. Hoje, há questões ridículdas de Porto Alegre, em um período de oito anos em que, como nunca, os municípios tiveram recursos para investir.

Sul21 – Mesmo assim, Fogaça conseguiu se reeleger em 2008, como a senhora mesmo disse.
Maria Izabel Noll – Essa é a questão, como quebrar essa acomodação. Ela foi decorrente de um modelo de oposição radicalizada.  Quando Antônio Britto jogou o PMDB para a direita, o PT ocupou o centro. Quando Fogaça voltou, puxou de volta o PMDB para o centro, e o PT foi para a esquerda. O que está acontecendo? Estamos em uma situação que por razões transversas a prefeitura foi parar na mão do PDT, mas respaldado pelo PMDB. Como fazer esse casamento PT-PDT? É o cenário dos sonhos para o Fortunati.

"Num cenário em que Fortunati venha com o PMDB; o PT com seu candidato; e Manuela faça uma aliança ampla, a tendência pode ser a ausência de base partidária da Manuela, a síndrome dos 20% do PT e Fortunati ocupando o centro. A opção do eleitor aqui tende a ser conservadora" | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Sul21 – Dentro dessa estratégia de tentar ocupar o centro do espectro político, Fortunati erra se der sinais mais à direita, como no recente episódio em que declarou que “Jesus está no comando” da cidade, durante um evento religioso?
Maria Izabel Noll – Sim, se caminhar para esse lado. Agorta, tu podes ter perfeitamente um cenário em que Fortunati venha com o PMDB; o PT com seu candidato; e Manuela faça uma aliança ampla, de esquerda. O que pode acontecer? De novo, a tendência pode ser a ausência de base partidária da Manuela, a síndrome dos 20% do PT e Fortunati ocupando o centro. A opção do eleitor aqui tende a ser conservadora.

Sul21 – A senhora está dizendo que há uma tendência de reprodução da eleição de 2008 se o PT lançar candidato próprio. Para o partido retomar a prefeitura, a melhor estratégia seria uma aliança com Manuela?
Maria Izabell Noll – Aí eu diria que seria, não imbatível, mas o cenário com maiores chances, numa primeira visualização. Haveria uma base partidária sólida e elementos que poderiam ser jogados no sentido da mudança, modernidade, juventude. Estamos no momento do jogo de xadrez. Mesmo numa possibilidade de candidatura própria do PT, quem é o candidato? De novo Maria Rosário e Manuela, e se reproduz 2008?

Sul21 – A questão é aguardar os movimentos de PT e PMDB.
Maria Izabel Noll – Quando tu tens praticamente 30% do eleitorado que é base partidária mesmo – o eleitor não vai votar em outro candidato -, isso é um pontapé inicial e tanto.

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