Em meio a protestos de servidores públicos por reajuste salarial e antes de uma reunião com os governadores dos Estados do Conselho de Desenvolvimento da Região Sul (Codesul) para reforçar a campanha pela partilha do petróleo, o governador Tarso Genro recebeu o Sul21 na última quinta-feira (29). Na entrevista, ele avaliou os primeiros nove meses de governo no Rio Grande do Sul e defendeu a política de reajustes para o funcionalismo público.
“Desafio que alguém nos aponte quem teve uma política salarial melhor para os servidores do que o nosso governo, em nove meses. Aumento sempre superiores à inflação e início de uma recuperação dos salários dos professores e da segurança pública”, disse Tarso Genro.
Na conversa, o governador deu detalhes sobre as investigações sobre a autoria das ameaças com falsas bombas registradas nas últimas semanas do Estado, reafirmou o compromisso de pagar o piso nacional do magistério até o final de seu mandato, defendeu o novo sistema de avaliação da educação, comentou a negociação da dívida dos Estados com a União e as perspectivas com a próxima visita da presidenta Dilma Rousseff, rebatendo as críticas da oposição de que o governo ainda não teria um rumo definido.
“Eles partem de uma visão de rumo do seu governo anterior, que era a visão tradicional do déficit zero, repreensão aos movimentos sociais, nenhuma relação com o governo federal e nenhum projeto de desenvolvimento. É normal que pra eles não tenha rumo, porque não é o rumo deles”, afirmou.
Sul21 – O seu governo completou nove meses. Neste período, a oposição tem dito que o governo ainda não tomou forma, que não se sabe qual é o rumo do governo. Qual é a cara do seu governo nesse período, quais foram os avanços conquistados e também as limitações?
Tarso Genro – É normal que a oposição entenda que nós não temos rumo. Eles partem do seu governo anterior, que era a visão tradicional do déficit zero, repreensão aos movimentos sociais, nenhuma relação com o governo federal e nenhum projeto de desenvolvimento. É normal que pra eles não tenha rumo, porque não é o rumo deles. Nestes nove meses, conseguimos encaminhar todas as questões estruturais do programa eleitoral. Primeiro, iniciamos uma recuperação salarial importante, de dois setores chave – a segurança pública e o magistério. Não tem precedente a recuperação que nós fizemos com nove meses de governo. Segundo, iniciamos um sistema de participação popular cidadã, que combina todas as formas de participação até agora e revigora o Rio Grande do Sul e o seu centro político, que é Porto Alegre, como a capital da democracia e da experimentação democrática na relação Estado-sociedade. Terceiro, reorganizamos o perfil político administrativo do Estado para desenvolver uma política de crescimento e desenvolvimento econômico. Quarto, organizamos um sistema de gestão que não tem precedentes no país, a nossa sala de gestão, a partir da secretaria geral. Quinto, desenvolvemos uma política externa, tirando o Estado de uma situação paroquial, fechada, atrasada – eu diria uma mistura de autarquismo com neoliberalismo que despontencializava o Rio Grande do Sul na sua relação com a economia global. E, finalmente, uma nova relação com o governo federal, que está nos permitindo deslocar recursos pra reorganizar a máquina pública, pagar melhor os servidores e manter uma taxa de investimentos, no mínimo dobrada, em relação ao governo anterior. Então, encaminhamos todas as questões estruturais. O movimento social é uma enorme contribuição com o governo. Um governo como o nosso tem que ter uma relação com o movimento social, às vezes de negociação, às vezes de tensão, mas sobretudo de acolhimento. E isso, fora dois ou três exageros, que são normais, é uma coisa enriquece o governo. Isso vai desde uma relação direta com o MTD, que é o movimento dos desempregados, até os setores mais democráticos do capital, que estão presentes no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), por exemplo. Estamos dando o nosso recado e passamos inclusive por alguns desgastes políticos, nessa reforma que fizemos das contribuições dos servidores para o seu fundo, que é um dinheiro para os servidores mesmo, para manter os seus direitos e suas aposentadorias, e com 1,5% para as RPVs. Mas esse desgaste é normal, natural e ele protege de uma parte os servidores e de outra a sociedade porque possibilita a contração desse empréstimo para investimentos.
Sul21 – O senhor defende a necessidade de reestruturar as finanças do Estado e a matriz salarial dos servidores. Agora, no entanto, o governo se vê negociando com as categorias separadamente e sofrendo pressões. Como o senhor avalia este momento do governo?
Tarso Genro – Nós temos uma estratégia orçamentária pro Estado. E ela está clara, só não vê quem não quer, como determinados próceres da oposição. Estamos utilizando o caixa do Tesouro e o orçamento público de recursos originários do Estado para reorganizar a máquina pública e pagar melhor os servidores. Estamos preenchendo as lacunas que terá o orçamento no que se refere a investimentos, com captação de recursos do Banco Mundial e do BNDES. E vamos aumentar muito a arrecadação no ano que vem, provavelmente em torno de 10%. Estamos pressionando também a cobrança da dívida pública. Então, existe uma estratégia. A estratégia do governo anterior era de déficit zero. A consequência foi o enfraquecimento das funções públicas do Estado, incompetência de gestão e falta de investimentos. Nós não estamos falando em déficit zero, estamos falando em manejo responsável do orçamento. Estamos captando recursos para investimentos e revalorizando as funções públicas. Isso não quer dizer que não haja tensões. Mas desafio que alguém nos aponte quem teve uma política salarial melhor para os servidores, em nove meses. Aumento sempre superior à inflação e início de uma recuperação dos salários dos professores e da segurança pública.
Sul21 – Mas os servidores de diferentes categorias seguem protestando.
Tarso Genro – Quando aparece na imprensa, e é natural que assim o seja, aparecem sempre as pessoas se mobilizando e pressionando. Mas têm pouco destaque os acordos que já fizemos com vários setores. Com a polícia, a procuradoria geral, os técnicos científicos, a Susepe, os brigadianos, os professores. O sucesso nas negociações é infinitamente maior que os atritos. Só que os atritos aparecem mais. Por que os servidores se mobilizam? Porque seus salários são ruins mesmo. O salário da Brigada era vergonhoso, era o último do país. Agora melhorou, já adquiriu uma posição relativamemente melhor no ranking nacional. Mesmo assim ainda é insuficiente. E nós pretendemos, ao longo desses três anos, ir melhorando substancialmente esses salários, dando aumentos sempre superiores à inflação. Ou igual, ou um pouco superior. Às categorias que são menos aquinhoadas, buscar um ganho real para ir melhorando seu padrão de consumo e seu padrão salarial.
Sul21 – O senhor diz que o governo vai repor a inflação dos altos salários e ir além para os menores. Parece uma política justa, mas as resistências corporativas são muito fortes.
Tarso Genro – Há resistências corporativas e resistências legitimas. Mas em relação a esses setores, nós temos que fazer um debate político que envolva a sociedade também, não somente os servidores. Nós demos 23,5% pros soldados, 18% pros sargentos e 10% pros tenentes da Brigada Militar. É óbvio que todos queriam um aumento linear e se mobilizam pra obter. Nós podemos dizer: “podemos dar 13% para todos”. Mas seria injusto. Nós não faríamos essas correções. Então nós temos que fazer esse debate político e há reações corporativas fortes. Não quer dizer que não sejam pretensões justas, mas são impossíveis de serem atendidas em conjunto, com aqueles servidores que têm a remuneração mais baixa do Estado.
Sul21 – Em relação aos protestos, que se desvirtuaram para ameaças, inclusive pessoas contra o senhor. O senhor acredita que foi um ato político?
Tarso Genro – Eu nunca disse que foi um ato político. Eu acho que a grande imprensa tratou com excessiva generosidade esse caso. Estou me referindo às queimas de pneus e a essas bombas fajutas, que eles colocaram para tentar aterrorizar a população.
Sul21 – “Eles”, quem?
Tarso Genro – Vou dizer agora, inclusive dando uma informação. Você trata com respeito e generosidade os movimentos sociais e os movimentos reivindicatórios de pessoas que botam a sua cara aberta, para reivindicar, isso é dever do governo. E é um dever, evidentemente, de toda a imprensa. O que eu percebi, na cobertura desses movimentos, é que a maior parte da imprensa referia sempre, tanto as bombas fajutas como as queimas de pneus, como movimento reivindicatório contra o governo. Isso é falso. Ontem (quarta-feira, 28) tive uma reunião no QG da Brigada com o pessoal da P2 e recebi todas as informações dos inquéritos rigorosos, das investigações corretas que estão sendo feitas. E é possível distinguir as coisas. Uma coisa é queima de pneus, de pessoas que apelaram para esse tipo de delito pra chamar a atenção, e vão responder. Outra coisa são as chamadas bombas fajutas. Isso está sendo feito por um grupo de marginais, de pessoas que, segundo essas investigações preliminares, têm passagem pela polícia, e que estão ou fora da Brigada Militar há algum tempo por razões de corrupção ou de cometimento de delitos, ou eventualmente estão sendo sindicadas por ações de corrupção. Eu lembro que disse há algum tempo, de uma maneira bem clara, que foi reproduzida de uma maneira não muito ampla: “Essas pessoas têm relação com o crime organizado, ou estão começando a ter”. E isso está confirmado. São investigações demoradas, que são feitas dentro do Estado de direito, têm o acompanhamento do Ministério Público. E a Brigada Militar vai apresentar isso devidamente. Isso não está na conta dos movimentos reivindicatórios. São ações criminosas, dentro de uma zona gris que mistura pessoas já criminosas com pessoas que estão entrando com ações criminosas, organizadas ou não.
Sul21 – São pessoas de dentro da Brigada ou com alguma relação?
Tarso Genro – Alguma relação há.
Sul21 – Não têm vínculo partidário?
Tarso Genro – As pessoas podem ter, ou não, vínculo partidário. Mas isso não é ação de partido. Quero deixar claro. As pessoas podem ter vínculo partidário, os mais estranhos até, mas não é ação de partido. Seja da oposição, seja do governo. São indivíduos criminosos. Essa é a sua motivação, não é outra. Não é a reivindicação e nem a relação política.
Sul21 – Voltando à questão dos salários, o senhor mantém a disposição de enviar ainda este ano o projeto de lei para reduzir o teto do funcionalismo ou há muita resistência?
Tarso Genro – A resistência é bem grande, mas a nossa convicção permanece. Vamos enviar esse projeto até o final do ano. Não podemos fazer tudo de maneira conjunta, porque pode parecer que é uma visão que pretende “tirar dos ricos pra dar para os pobres”. Pretendemos fazer todas as negociações e remeter o projeto, que será de um teto decente, sem violação de direito adquirido, mas que mudará muita previsibilidade pro futuro.
Sul21 – O senhor já disse reiteradas vezes que vai pagar o piso nacional do magistério e para a Brigada Militar. Qual é a expectativa? Por lei o piso do magistério já deveria ser cumprido.
Tarso Genro – Essa lei ainda não transitou em julgado. E a sua aplicabilidade carece de algum esclarecimento desse acórdão do Supremo Tribunal Federal, então o piso que nós temos é o que foi decretado pelo Ministério da Educação e que está sendo amplamente divulgado pelo Cpers. Nosso objetivo permanece. Já diminuímos a diferença do piso dos professores do Estado para o piso nacional de 62% para 51%. Ano que vem teremos mais um avanço. E queremos, no fim do quarto ano do governo, chegar ao piso nacional. Nós já colocamos no PPA recursos destinados a isso. Reduzimos as rubricas das demais secretarias e aumentamos significativamente três rubricas: saúde, educação e segurança. E o recurso mais volumoso pra educação é destinado a salários para evoluirmos em direção ao piso nacional.
Sul21 – Em relação ao sistema de avaliação do ensino que está sendo proposto, qual é a diferença em relação à pontuação dos professores por merecimento?
Tarso Genro – A diferença é que esse merecimento já existe, dentro do quadro atual. Só que é um merecimento fajuto. Ele não distingue a evolução de um nível para outro em função do real merecimento do professor. Ele conjuga uma série de fatores: avaliação comunitária participativa, qualificação do professor para cursos, evasão de alunos. É um conjunto de fatores que formam determinado peso para a evolução. Então, qual é a diferença entre mérito e meritocracia? A diferença é que a meritocracia é uma técnica de esgotamento de todas as forças do funcionário, ou de promoção da força intelectual e física, e aí depende dos critérios que as empresas utilizam, para satisfazer o mercado. O mérito não tem essa destinação. O mérito são critérios objetivos. No caso concreto, é compartilhada uma avaliação externa também, feita por universidades, pela comunidade, a auto-avaliação dos próprios professores e também dados objetivos. Quais são eles? A melhora concreta do ensino do aluno e o grau de evasão que a escola tem. É um conjunto de dados que compõe um determinado mérito. Isso, em última análise, é o cumprimento fiel do objetivo de um quadro de carreira que tem o mérito como um elemento central.
Tarso Genro – Em relação ao sistema de incentivos, nós vamos mudar completamente. O sistema de incentivo atual foi engendrado praticamente em busca daquela linha “traga-me uma multinacional e seremos felizes”. Pode ter tido sua validade relativa em um certo período, mas nossa concepção é outra. Entra a outorga de incentivos da questão territorial, onde a fábrica vai estar locada, compra de insumos e produtos locais para a produção da empresa que recebe incentivos, a agregação de novos patamares tecnológicos e a criação de empregos. Os incentivos integram uma visão do desenvolvimento econômico não espontaneísta, mas sim orientado pelo Estado estrategicamente. E isso foi discutido pelo CDES, pelos agentes econômicos, sindicatos, todos estão participando desta discussão. Os projetos estão prontos e irão ainda nesta semana para a Assembléia Legislativa. A questão da dívida do Estado, bem, aí existe uma dupla negociação. Uma negociação de uma política geral da União, de como tratar a dívida de todos os Estados. E existe uma negociação de uma questão particular, que é a dívida da União conosco. Que é essa dívida da CEEE, um processo que já transitou em julgado e que estamos aferindo os valores passíveis de serem repassados.
Sul21 – Isso pode ser usado no abate do estoque da dívida.
Tarso Genro – Nós não estamos nesse período. Aliás, da nossa parte nós queremos que seja tratado em separado. Porque a política geral da União com os Estados ela vai nos abarcar independentemente de qualquer coisa. E essa dívida é uma dívida particular que favorece o Estado e que terá grande importância na nossa capacidade de investimento. É provável que ainda durante o mês de outubro nós resolvamos essa questão.
Sul21 – É uma das expectativas na próxima visita da presidenta Dilma Rousseff?
Tarso Genro – Não, a presidenta vem tratar da questão do metrô e da implementação desse plano contra a miséria, que aqui tem o nome de “RS Mais Igual”. São duas questões muito importantes para o Estado, nas quais o governo tem um papel importante na aplicação desse programa e também nos investimentos que serão feitos pro metrô.
Sul21 – Na condição de ex-ministro da Justiça, como o senhor se posiciona neste debate sobre o controle do judiciário, a partir da tentativa de diminuir o poder de fiscalização do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da declaração da ministra Eliana Calmon, de que existem “bandidos de toga”?
Tarso Genro – A relação com o Judiciário é sempre tensa, porque o chefe do Executivo tem que saber que quem decide todas as controvérsias jurídicas é o próprio Judiciário. E ninguém decide sobre o Judiciário. Então isso gera um certo desequilíbrio na relação entre os poderes, e uma cautela que os demais poderes têm que ter na relação com o poder Judiciário. Essa questão da ministra Eliana Calmon é pontual. Ela não fez uma acusação genérica, na minha opinião. Ela disse uma coisa que percorre todas as instituições, que todas elas têm problemas em comportamento ético e legal de seus membros e isso está sendo superestimado. Não teve ela, na minha opinião, a intenção de ofender o poder judiciário como um conjunto e nem generalizar essa observação.
Sul21 – O senhor concorda que o CNJ tem papel importante para combater a impunidade no Judiciário?
Tarso Genro – O CNJ tem um papel muito importante e tem cumprido funções muito relevantes. Deveria ser mantido esse poder que eles vêm desempenhado até agora.
Sul21 – Nas eleições municipais de Porto Alegre, o discurso do PT tem sido o de defender a candidatura própria, mas levando em conta a aliança estadual e nacional. Há dois nomes colocados, o do prefeito José Fortunati (PDT) e o da deputada Manuela D’Ávila (PCdoB). A candidatura própria seria uma forma de o PT não se indispor com essas duas forças que dão sustentação para o seu governo?
Tarso Genro – Eu defendo internamente que a nossa estratégia deva ser ter um candidato e sentar na mesa com nossos aliados preferenciais, para ver qual é a melhor possibilidade. Nós somos o maior partido do Estado, governamos o Estado, temos uma experiência de gestão pública na prefeitura de Porto Alegre. Nós devemos sim escolher o nosso candidato, o mais breve possível. E dizer principalmente ao PSB e ao PCdoB que sentem conosco e construir a unidade da esquerda. Quanto à hipótese do Fortunati, ela me parece cada vez mais distante. Não pelo Fortunati como pessoa ou quadro político e nem pelo PDT, que é nosso aliado aqui no governo, mas é que o Fortunati já definiu como aliados preferenciais os nossos adversários estratégicos no Estado. Que são PSDB e PMDB, que aqui são aliados do déficit zero, da Yeda e da direita conservadora que criou o caldo de cultura do antipetismo, que felizmente já foi derrotado.
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