3 de agosto de 2011

“É perigoso transformar a água em mercadoria”, diz presidente da Corsan

Arnaldo-Dutra
"Há um discurso muito fácil de solução do problema pela iniciativa privada", critica Arnaldo Dutra | Foto: Divulgação

Na última sexta-feira (24), a Corsan começou a ceder seus bens em Uruguaiana para que uma empresa privada, a Foz do Brasil, do Grupo Odebrecht, passasse a prestar o serviço de abastecimento de água. O município da fronteira oeste é pioneiro de um movimento que deve acontecer em outras cidades médias gaúchas, como Santa Cruz do Sul, São Gabriel e São Borja. A concessão dos serviços de abastecimento de água e saneamento à iniciativa privada preocupa o diretor-presidente da Corsan, Arnaldo Dutra: “É muito perigoso transformar a água em mercadoria”.

O Sul21 conversou com o dirigente por cerca de 20 minutos na última sexta-feira. Na entrevista, Dutra afirma que há um assédio da iniciativa privada a prefeituras, apresentando-se como “solução mágica” para o esgotamento sanitário, que ainda é um privilégio no Rio Grande do Sul. Ele explica os planos da Corsan, que pretende investir quase R$ 3 bilhões nos próximos anos no estado, fala sobre a exclusão da companhia em licitações e, principalmente, procura mostrar que a iniciativa privada pode não ser a panaceia para os serviços que a Corsan hoje presta em 322 municípios gaúchos. “Há um discurso muito fácil de solução do problema pela iniciativa privada”, critica.

Sul21 – Como a Corsan está vendo a movimentação de várias prefeituras para deixar os serviços da empresa?
Arnaldo Dutra – Temos no Brasil uma legislação específica para o setor desde 2007 (Lei 4445), que define que a titularidade é do município. O setor privado de saneamento no Brasil ocupa cerca de 10% dos municípios e está fazendo ofensiva muito grande para ampliar o seu mercado. Por conta disto, tem feito visitas a prefeitos e promessas de solução no saneamento. O País ficou muitos anos sem investimentos em esgotamento sanitário e abastecimento de água – principalmente em esgotamento. Tratamos muito pouco esgoto. Em cima disto, há um discurso muito fácil de solução do problema pela iniciativa privada. Muitos prefeitos no RS usam uma possível ineficiência da Corsan para justificar seu conceito, de que o setor privado é solução para o saneamento.

Sul21 – E o senhor entende que não é uma solução.
Arnaldo Dutra - Com certeza. É preciso enxergar o contexto histórico desta falta de investimentos da Corsan. Não havia recursos disponíveis para investir, porque não havia uma política clara de financiamento para o setor de saneamento por parte do governo federal – nem para o poder público, nem para a iniciativa privada. O setor privado começa a aparecer no Rio Grande do Sul como alternativa em 2007, depois do PAC. O dinheiro que eles irão buscar é o mesmo que nós buscamos, do BNDES, da Caixa Econômica Federal. É importante dizer também que a Corsan não fazia investimentos em esgotamento sanitário, porque ela não tinha contratos de esgotamento com os municípios. Havia apenas contrato de água. Até 2007, tinha contratos de esgotamento em apenas 43 dos 322 municípios que atende.

Sul21 – Antes de 2007, a legislação para o setor não era clara? Como funcionavam os contratos? Eram muito precários?
Arnaldo Dutra – Eram contratos muito precários, não se estabelecia claramente as regras, os compromissos. Não havia fiscalização da prestação do serviço por parte das prefeituras. A companhia atuava de forma muito soberana nos municípios, isto foi muito ruim. Agora, há regras mais claras.

Sul21 – Esta pressão dos prefeitos é positiva para a Corsan, então?
Arnaldo Dutra – Entendo que sim. O momento para o saneamento é muito positivo. O que é errado é esta fórmula mágica de privatizar que está aparecendo como solução. Os prefeitos fazem uma cortina de fumaça para esconder sua veia privatista, dizendo que é ineficiência da Corsan. Em Uruguaiana, por exemplo, o contrato de esgotamento é de 2000. De lá para cá, a Corsan inaugurou estação de tratamento. Onde a Corsan fez contratos, investiu.
"É um mito essa história de que dá para praticar uma tarifa mais barata", critica Dutra | Foto: Arquivo/CORSAN

Sul21 – Em Uruguaiana, diz-se que a tarifa ficará menor com a iniciativa privada. E quem é contra, afirma que a tarifa tende a aumentar no longo prazo. Como é que o senhor vê isto?
Arnaldo Dutra – Não precisa nem longo prazo. Hoje, 20% da população de Uruguaiana paga tarifa de água e esgoto. Com a aplicação da fórmula que foi colocada pela empresa vencedora na licitação, a tarifa já vai ficar mais cara no primeiro mês, para quem tem água e esgoto. Pode ser que haja uma pequena redução no preço da água. É um mito essa história de que dá para praticar uma tarifa muito mais barata. O plano de saneamento que existe em Uruguaiana prevê investimentos que exigem uma tarifa que cubra estes custos.

Sul21 – Se houver uma debandada de municípios mais populosos do RS, a Corsan vai conseguir atender os municípios menores?
Arnaldo Dutra – Não acredito em debandada, porque, de 2007 para cá, tivemos 206 renovações de contrato. São 206 prefeituras que firmaram com a Corsan, mesmo com a possibilidade de privatizar o serviço. Agora, é claro que a Corsan é um grande condomínio de municípios, onde os custos são rateados entre todos. As pequenas cidades são deficitárias, não têm condições de ter uma política de saneamento se não houver subsídio cruzado. Se municípios maiores começarem a tratar água isoladamente, sem se preocupar com o vizinho, cidades pequenas vão ficar sem o serviço, porque não serão visitadas pela iniciativa privada.

Sul21 – O que está sendo pensado no curto prazo para evitar que mais municípios fiquem descontentes com o serviço da Corsan?
Arnaldo Dutra – Estamos trabalhando em cima de planos de saneamento. É uma ferramenta muito importante para os municípios, com a qual se define uma política de investimentos para 25 anos. A partir dos planos de saneamento, a Corsan apresenta sua proposta de investimentos. Consolidada esta proposta, nós buscamos os recursos. Já temos consagrados R$ 1,7 bilhão de investimentos para os próximos quatro anos e, por meio do PAC II, queremos colocar no RS mais R$ 1 bilhão. Falamos de um plano de investimentos próximo de R$ 3 bilhões. Mas a Corsan não vive só de obras. Precisa melhorar sua prestação de serviços, estamos trabalhando na gestão para melhorar isto.

Sul21 – Como o senhor vê a PEC 206/2011, do deputado estadual Luis Fernando Schimdt (PT), que determina que as empresas prestadoras dos serviços de abastecimento de água e saneamento precisam ter pelo menos 51% de capital público?
Arnaldo Dutra – Vejo a Assembleia Legislativa como representante da população, e acho que reflete um sentimento da sociedade de discutir este tema. Acho que seria muito ruim para o Estado ter um processo de privatização da água, quando cidades importantes da Europa, como Paris, recuaram deste modelo, porque viram que não dava resposta. Acho que esta PEC traz a possibilidade de a discussão sair dos tribunais, como está acontecendo hoje, e vir para a sociedade. É muito perigoso transformar a água, que é um direito de todos e necessidade vital, em mercadoria, sob o risco de que se coloque em xeque quem tem menos possibilidade de pagar. A PEC não proíbe que o setor privado participe, evitaria apenas a concessão integral do serviço.

Sul21 – A Corsan não pôde participar da licitação feita em Uruguaiana pelos índices financeiros exigidos. Este precedente preocupa a companhia?
Arnaldo Dutra - A Lei de Licitações precisa de reparos, mas trouxe um grande avanço, de estabelecer que as licitações precisam ser abertas, para que todos possam participar. Nós entendemos – e o Ministério Público de Contas entende também – que os editais que estão sendo feitos hoje são muito restritivos. Estabelecem índices em que o setor público não pode participar. A Sabesp, por exemplo, que é a maior do mundo, também ficaria fora do edital de Uruguaiana, de Santa Cruz, de São Gabriel, pelos índices. Nem a Petrobras, e fosse uma empresa do ramo, poderia participar.

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