Felipe Prestes
Para o presidente uruguaio José Pepe Mujica, os países da América Latina sempre terão divergências. “É da condição humana”, pontuou, bem ao estilo reflexivo que pautou sua fala no primeiro dia em solo gaúcho. “Mas as diferenças se negociam aqui. Frente ao mundo não podemos estar divididos”, ressaltou, ao ser homenageado com a comenda da Ordem do Ponche Verde, recebida das mãos do governador Tarso Genro, em cerimônia realizada no Palácio Piratini, no final de tarde desta terça (8).
Mujica chegara a Porto Alegre poucas horas antes, com uma comitiva que inclui integrantes do primeiro escalão do governo, além de prefeitos e empresários do país cisplatino. A pauta da viagem é a integração, principalmente econômica, mas também cultural, o que motiva a Secretaria da Cultura gaúcha a promover uma semana de atrações uruguaias.
Como não poderia deixar de ser, o tema da integração latinoamericana pautou a fala do presidente nos três momentos em que usou a palavra: no Piratini, em entrevista coletiva e na Assembleia Legislativa, onde também recebeu homenagem. Ele ressaltou as riquezas naturais da região para dizer que é preciso defendê-las em conjunto e destacou que a força dos latinoamericanos como bloco é bem maior que a dos países em separado. “Temos que ser a Patria Grande, para a sobrevivência de nossas pequenas pátrias”, disse em seu discurso no Piratini.
Mujica foi sempre aplaudidíssimo e tietado por políticos gaúchos, sendo concorrido para fotografias. Os eventos da Assembleia e do Palácio reuniram militantes de esquerda uruguaia e brasileira. E ambos ressaltavam como um dos laços de integração o fato de muitos gaúchos terem se refugiado no Uruguai quando a ditadura estourou por aqui e vice-versa.
O governador Tarso Genro saudou o presidente como um “grande homem da América Latina e do mundo”. Mujica, ao receber a homenagem do governo, disse não merecer pessoalmente a honraria. “Mas entendo como uma homenagem ao meu país e ao povo uruguaio”, explicou.
“Precisamos de economias complementares”
Nesta quarta (9), pela manhã, será realizado na Fiergs o seminário “Associação Brasil-Uruguai e oportunidades de integração produtiva”, com a presença do ministro de Indústria, Energia e Mineração uruguaio, Roberto Kreimerman e do próprio Mujica. À tarde, a Fecomércio terá uma rodada de negócios que envolverá desde alimentos até softwares. Na sede do Badesul, mesas setoriais com participação empresários e políticos discutirão as relações econômicas entre o estado e o país. Entre os setores que serão debatidos estão os da energia eólica e da indústria naval. Estuda-se, por exemplo, que o polo naval gaúcho seja complementado pela produção de peças no Uruguai.
Em entrevista coletiva concedida a jornalista uruguaios e brasileiros, não faltaram questionamentos a Mujica sobre o fato de o discurso da integração ser cada vez mais forte na América do Sul, mas as barreiras comerciais permanecerem, muitas vezes de forma bastante conflituosa, como na querela recente entre Brasil e Argentina. O presidente uruguaio repetiu que divergências são normais, mas afirmou que a saída é os países do Mercosul construírem economias complementares, uma construção que deve ser permanente. “Nosso dever é ir sempre construindo economias complementares, calculadas. Quando planificamos temos que olhar para os vizinhos”, disse.
Mujica disse que o Mercosul é débil institucionalmente e que precisa, por exemplo, de tribunais que arbitrem conflitos entre países do bloco. Ele também falou que os países membros precisam convergir ao menos parcialmente em políticas fiscais e macroeconômicas. Apesar de apontar a atual debilidade da União Europeia, ele usou o bloco, que já está estruturado há décadas e ainda tem problemas de integração, como exemplo de que não é fácil construir a unidade.
No tocante ao Rio Grande do Sul, José Pepe Mujica enfatizou a integração que pode ser feita na área da pesquisa. Exemplificou com problemas comuns ao Uruguai e o Estado, como a seca, que podem ser pensados conjuntamente. “Desejo que haja universidades dos dois lados da fronteira, pesquisando em portunhol”, afirmou. Um dos setores em que o RS e o Uruguai procurarão o desenvolvimento conjunto é o da agropecuária, com ênfase em prevenção de pragas e em sanidade animal.
“Brasil e Uruguai tem vastas possibilidades. É claro que podem ter contradições, como disse o presidente Mujica, mas esta relação pode ser de muito proveito para os dois povos nos planos científico, acadêmico, cultural, na questão da qualidade de vida e no intercâmbio comercial”, opinou o governador Tarso Genro. Ele revelou que o governo prepara um documento que deve mostrar, ao final do ano, os resultados da administração em 2011 e deve mostrar os resultados advindos das relações internacionais que tem travado. “Vamos quantificar a soma dos investimentos no ano e dar, inclusive, as origens. Evoluem bem estas relações”, disse.
“Crise não pode chegar aos mais pobres”
Durante a coletiva, José Pepe Mujica falou sobre a crise econômica e seus possíveis efeitos no Uruguai e na América do Sul. O presidente uruguaio advertiu que a palavra “nunca” não pode ser usada na alta política e que a crise pode, sim, ter grandes efeitos. Disse isto para depois mostrar extrema segurança de que o Uruguai e os vizinhos Brasil e Argentina devem conseguir evitar grandes estragos. “Estamos bem melhor preparados que há 15 anos”, afirmou.
Mujica relatou que o Uruguai hoje já tem condições financeiras para se equilibrar pelos próximos “dois ou três anos”. Também projetou que a demanda internacional por alguns produtos básicos que seu país produz não dá sinais de que vá diminuir.
Seja como for, o frenteamplista assegurou que vai trabalhar para que a crise não se torne um problema social. “A crise não pode atingir os mais pobres”, disse. Mujica afirmou que “não vai cortar embaixo” e, se preciso, “vai cortar em cima”, dos mais ricos. Ele disse que pode fazer algo neste sentido ainda este ano. E prometeu que se a crise chegar com força ao Uruguai, vai aumentar os gastos sociais, não diminuí-los.
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