Rachel Duarte
Uma dose bem farta de carinho pode ser o ingrediente que faltava para
a formação de uma nação mais preparada para o futuro. O investimento de
R$ 10 bilhões nos primeiros anos de vida dos brasileiros abaixo da
linha da pobreza pretende possibilitar o ingresso igualitário na rede
pública de ensino e condições de vida saudáveis para crianças de zero a
seis anos de idade. A iniciativa, chamada de Brasil Carinhoso, é mais um
passo do governo brasileiro para combater a miséria extrema – uma das
Metas do Milênio das quais o país deve cumprir até 2015 -, e uma
iniciativa que dependerá fundamentalmente das prefeituras para ter
êxito.
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Um dos principais benefícios do Brasil Carinhoso é o incremento no
teto de R$ 306 do Bolsa Família aos beneficiários que tenham crianças de
zero a seis anos de idade e renda inferior a R$ 70 reais. O adicional
será na média de até R$ 80 por pessoa. A estimativa é de que 2 milhões
de famílias e 2,7 milhões de crianças sejam beneficiadas com os recursos
que serão pagos a partir de junho no cartão do Bolsa Família.
No lançamento oficial do programa, a ministra do Desenvolvimento
Social e Combate à Fome, Tereza Campello, disse que das 13,5 milhões de
famílias que hoje recebem o Bolsa Família, apenas 130 mil têm mais de
oito integrantes (pai, mãe e filhos). Portanto, o impacto imediato na
redução da miséria está estimado em 40% e 62% nas crianças, que são as
mais afetadas pela pobreza extrema.
De acordo com o economista Carlos Fraquelli, um programa que prioriza
o combate a miséria desde a infância é uma forma de complementar o
desenvolvimento do Brasil atingindo todas as camadas. “Desde o ano
passado o governo federal demonstra preocupação com medidas que melhorem
as condições de vida das classes D e E. A escolaridade já é assegurada a
partir dos seis anos, então, só faltava alcançar as crianças antes do
ingresso na escola. Isto irá alavancar a chegada das crianças na
educação”, projeta.
Na ótica do economista gaúcho, embora o governo Dilma Rousseff tenha
começado as ações para o incentivo ao desenvolvimento do país pelas
políticas econômicas, como combate ao câmbio e redução de juros,
chegaria um ponto em que seria impossível não atender a formação das
novas gerações para pensar o futuro do Brasil. “Começamos a ter emprego
para as mães, ampliamos a renda dos beneficiários com o Bolsa Família e
agora as mães precisam ter onde deixar seus filhos para seguir no
mercado e seguir movimentando o consumo”, diz.
Otimista, Fraquelli vê o Brasil Carinhoso como uma ação que começa a
construir um novo Brasil. “Não estamos mais na década perdida e na
estagnação de anos anteriores. O Brasil volta a crescer e a agir pela
continuidade deste crescimento. Mas, ao mesmo tempo que cria programas
como este, o governo não pode descuidar da alta da inflação para não
haver desequilíbrios”, alerta.
“Maioria das crianças no Ensino Fundamental não passou pela Educação Infantil”, afirma secretário gaúcho
A segunda frente do Brasil
Carinhoso é aumentar a oferta de creches para crianças na faixa de
pobreza e fortalecer alimentação na educação infantil. O governo assinou
termo de compromisso com as prefeituras na última segunda-feira (14)
para a construção de 1.512 creches e o aumento de 70% nos valores
repassados para alimentação escolar nesta faixa etária. A meta é que até
2014 sejam construídas 6.427 escolas de educação infantil para
atenderem a crianças de zero a cinco anos. Além disso, as crianças do
Bolsa Família receberão acréscimo de R$ 1.362 por aluno, por ano, nos
repasses do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e
de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). O repasse regular
anual é de R$ 2.725 por aluno matriculado em creche.
O secretário de Educação do Rio Grande do Sul, José Clóvis vê o
conjunto de medidas para educação como fundamentais para melhorar o
desempenho dos alunos que ingressam na rede pública. “O baixo rendimento
dos alunos da escola pública no Ensino Fundamental e no Ensino Médio é
proveniente de uma maioria oriunda de classes menos abastadas”, informa.
Segundo ele, “a maioria das crianças que estão na escola pública não
passaram pela educação infantil. Portanto, o acesso ao brincar e aos
atendimentos à saúde que as classes mais favorecidas têm como bancar
torna desvantajoso o processo de formação”.
Como educador, Clóvis se mostra animado com a iniciativa do governo
federal, que avalia como um grande passo para evitar prejuízos
irrecuperáveis na primeira fase da vida humana. “A falta do estímulo das
crianças desta faixa etária é comprometedora. Quando isto é ignorado, a
criança é reprimida. Em uma escola infantil, em que os educadores têm
esta preocupação, as crianças serão estimuladas”, diz. O Brasil
Carinhoso, na opinião do secretário, irá “construir uma geração
diferente. Mais educada, com maior índice de inteligência e mais
habilidades técnicas”.
“Amplia o acesso, mas ainda não garante a universalização”, ressalva secretário
Apesar dos pontos positivos, a ampliação dos repasses para
investimento na educação infantil e construção de novas creches ainda é
insuficiente para se falar em desenvolvimento do país de forma
universal, acentua o secretário de Educação do RS, José Clóvis. Segundo
ele, aumentar a acessibilidade ainda não é garantir a universalização do
ensino. “Precisaríamos de uma rede e não temos. Precisaríamos de um
investimento muito maior em todos os níveis da educação”, ilustra.
Separando a visão de futuro no ensino de uma crítica política ao
programa da sua correligionária política, José Clóvis esclarece que “não
é uma crítica ao Brasil Carinhoso, mas uma opinião sobre a necessidade
de se ter um projeto mais ousado de universalização do ensino”. O
programa é visto como algo possível para o momento da gestão federal por
Clovis, mas, ele sugere ainda a elaboração de uma rede de educação
infantil. “Eu não sei se este projeto irá garantir o acesso universal,
mesmo com todo o aporte financeiro. Me empolgo, mas me parece que ainda
não é suficiente”, acredita.
Governos devem buscar crianças desnutridas para dar suplementação
A terceira dimensão da agenda de atenção básica à primeira infância
anunciada por Dilma Rousseff é ampliar a cobertura de saúde nesta faixa
etária, incluindo controle de anemia, suplemento de vitamina A e
vacinas.
De acordo com o coordenador de Atenção a Saúde da Criança e do
Adolescente de Porto Alegre, Carlos Kieling, a Secretaria Municipal de
Saúde ainda aguarda orientações do Ministério da Saúde sobre o Brasil
Carinhoso. “Só foram divulgadas informações do funcionamento do programa
por meio das declarações da presidenta e dos ministros. Em termos de
publicações oficiais ou normas internas, não ocorreu nada”, assegura.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a cada cinco mulheres, uma tem
anemia e 20% das crianças brasileiras tem falta de vitamina A. O Brasil
Carinhoso irá estimular os municípios a fazer uma busca ativa destas
crianças para que elas tomem a suplementação da vitamina pelo menos duas
vezes por ano, a cada seis meses. Já o suplemento de ferro será
garantido por meio das Unidades Básicas de Saúde para quem tiver
indicação médica. Durante as campanhas nacionais de vacinação também
ocorrerá a distribuição da vitamina A, como forma de estimular a
prevenção à anemia.
De acordo com o representante da Secretaria de Saúde de Porto Alegre,
os dados de desnutrição no município são baixos, mesmo na camada dos
beneficiários do Bolsa Família. “Em 2011 foi de 1,3% entre os 36 mil
cadastrados no sistema de atenção básica que tem menos de 10 anos de
idade. Pelo Bolsa Família, até dezembro de 2011, eram seis mil
cadastrados ”, fala. Segundo Kieling, o problema do Rio Grande do Sul,
diferente das regiões Norte e Nordeste, é o excesso de alimentação ou má
alimentação. “Aqui temos 12% de obesos entre as crianças que estão na
escola. O índice de mortalidade infantil reduziu em Porto Alegre para
9,3 a cada mil nascidos vivos”, salienta.
Outro serviço previsto no Brasil Carinhoso é o combate a asma,
segunda principal causa de internação de crianças de até cinco anos
no SUS. Os remédios para o tratamento da doença serão distribuídos de
graça, na rede Aqui tem Farmácia Popular. “Os três medicamentos
indicados já são distribuídos gratuitamente na rede de saúde dos
municípios, com repasses do Ministério da Saúde. Em Porto Alegre
instituímos um programa para indicar o uso adequado e alertar os
riscos”, explica o coordenador Carlos Kieling.
O reforço dos serviços de saúde existentes, com foco na atenção à
primeira infância é complementar, mas positiva, na avaliação geral de
Kieling. “É bom porque fará ações reforçadas nas regiões mais
necessitadas ou com menos acessibilidade dos serviços e gerará
publicidade dos temas. Isso fará com que reforcemos as ações que já
fazem parte da nossa rotina nos municípios”, analisa.
“Um programa que reforça a imagem da mulher como cuidadora”, critica cientista política
De modo geral, o programa Brasil Carinhoso foi bem aceito pela
sociedade e pelos gestores públicos. O anúncio oficial da iniciativa,
ocorrido no último domingo (13), por outro lado, sofreu duras críticas
por setores que consideraram a ação como eleitoreira. A primeira mulher
que comanda a nação utilizou o Dia das Mães para se aproximar das
brasileiras no anúncio de um conjunto de ações para crianças batizado
com um nome afetuoso.
“Há uma realidade de mulheres que necessitam deste tipo de política
pública, mas, esta ação, do modo como foi lançada, pode reforçar a
imagem da mulher como ‘cuidadora’ e única responsável pelas crianças”,
critica a cientista política e pesquisadora dos Direitos das Mulheres na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Jussara Prá. Para
ela, o programa cidadaniza uma mãe e não uma mulher. “Onera as mulheres
com algumas responsabilidades ainda definidas como femininas. Que
programa será integrado a esta política para contribuir para o
empoderamento das mulheres?”, cobra, ainda que reconhecendo que as
creches atendem a reivindicação das mulheres para facilitar o ingresso
no mercado de trabalho.
De acordo com a pesquisadora, a ação não pode ser qualificada como
eleitoreira porque está visível a preocupação do governo Dilma com a
erradicação da pobreza. Porém, ela volta a criticar a responsabilização
das mulheres para o êxito de determinados tipos de políticas públicas.
“Senão, não iremos ultrapassar o patamar das políticas públicas de
gêneros. Até que ponto elas serão beneficiárias ou protagonistas desta
política pública? Além do risco da conotação assistencialista do
programa”, alerta.
Para garantir os repasses do Bolsa Família, as famílias devem fazer o
acompanhamento médico das crianças com até seis anos de idade. Ao
completar os sete anos devem estar matriculados na escola. “O caráter da
política, diante das carências da sociedade, não se questiona. Mas, as
políticas públicas que tem alguma obrigatoriedade para cumprir ações de
saúde e educação, não dão atenção às mulheres. As mulheres acabam sendo a
forma de manter o vínculo com o programa e seguem sendo o símbolo do
cuidado. Há uma identificação da mulher com estas tarefas”, avalia. E
complementa: “Não é um investimento na mulher, ampliando acesso a
emprego e outras ações que ela possa sair da pobreza e busque a
verdadeira autonomia”.
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