Felipe Prestes
Após sete anos parada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC)
438/2001, conhecida como PEC do Trabalho Escravo, deve ser votada nesta
terça-feira (8) pela Câmara dos Deputados. A proposta determina que o
empresário que tiver explorando trabalho escravo terá suas terras ou
imóvel urbano confiscado para reforma agrária ou uso social nas cidades.
No que depender do presidente Marco Maia, estará pautada uma sessão
extraordinária para votá-la, no início da noite, após a sessão
ordinária. O petista, entretanto, vai colocar o tema em debate na
reunião de líderes, que ocorre no início da tarde.
A PEC do então senador Ademir Andrade (PSB-PA) foi aprovada no Senado
em 2001, chegou à Câmara, onde foi aprovada em primeiro turno em2004. A
votação em segundo turno pode ocorrer agora, oito anos depois, fruto da
pressão do Governo Federal e de movimentos sociais. No mês de março, a
presidenta Dilma Rousseff estabeleceu, inclusive, prazo para votação da
PEC: até o dia 13 de maio, aniversário de 124 anos da Lei Áurea, que
acabou com a legalidade da escravidão no país. Maia apoiou a escolha da
data e prometeu colocar em pauta nesta semana.
Para ativistas que combatem o trabalho escravo, a PEC é importante,
porque as multas e sanções que são aplicadas a empresários não têm sido
suficientes para conter a prática. “A PEC do Trabalho Escravo é hoje a
lei mais relevante em trâmite no Congresso no combate ao trabalho
escravo, porque confisca a propriedade. É muito paradigmática, porque
deixa claro que o Estado brasileiro não aceita esta violação à dignidade
humana”, afirma Leonardo Sakamoto, jornalista e diretor da ONG Repórter
Brasil, que desde 2001 reporta casos de violação aos trabalhadores
rurais.
Sakamoto relata que, desde 1995, quando o Governo Federal reconheceu a
existência do trabalho escravo no país e criou um sistema público de
combate à prática, 42 mil trabalhadores já foram libertados desta
condição. Hoje, 291 empregadores estão no cadastro do trabalho escravo,
atualizado semestralmente, a maior parte deles está no campo. Para o
jornalista, contudo, o tema é mais próximo da população das cidades do
que parece. “Faz parte da nossa alimentação e do nosso vestuário. É
interessante que a gente, que se beneficia disto, pressione para que não
aconteça mais”, diz.
Voto aberto pode ajudar na aprovação
Nesta terça (8), às 11h, movimentos sociais como o MST e a
Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), entre
outras entidades, e artistas como Osmar Prado. Letícia Sabatella, Bete
Mendes e Paulo Betti, além de intelectuais e integrantes da Igreja farão
ato na Câmara dos Deputados para entrega de abaixo-assinado com cerca
de 50 mil assinaturas pela aprovação da PEC. Entidades farão vigília no
Congresso durante todo o dia.
Para Leonardo Sakamoto, a aprovação depende de não haver
subterfúgios, como a falta de acordo entre líderes ou a falta de quórum
para a votação. “O voto é aberto, isto ajuda. Acredito que uma vez
colocado em votação, será aprovado”, diz. Para ser aprovada, uma PEC
precisa de 3/5 dos votos. Normalmente, a bancada ruralista tem tido bem
mais que 2/5 dos votos na Casa, mas, como o voto é aberto, o diretor da
Repórter Brasil crê que pouco se arriscariam em votar contra uma matéria
que ajuda a combater o trabalho escravo. “Qual deputado vai querer
votar contra uma lei que vem sendo chamada de nova Lei Áurea, em ano
eleitoral?”, questiona.
Ainda assim, Sakamoto diz que na Câmara “tudo pode acontecer” e
considera uma incógnita se a PEC chegará a ser votada mesmo. “Não tenho
resposta. Depende muito se o Governo Dilma vai entrarem campo. Depende
se o Governo ainda tem base aliada, se o Congresso ainda se importa com
os temas que o Governo prioriza, se base aliada não é aliada apenas em
temas que lhe interessa”, diz. Caso seja aprovada, a PEC precisa voltar
ao Senado, porque a Câmara fez alterações no texto, incluindo os imóveis
urbanos.
Deputado ruralista acredita que trabalho escravo não está bem definido na PEC
Para o deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) ainda não é o momento da PEC
ser apreciada. “A PEC não tem um conceito definido de trabalho escravo.
Vai deixar na mão do fiscal que for na fazenda? Fiscal não pode ser
quem decide, cada fiscal faz o que quer, é uma ditadura do fiscal”, diz.
Segundo Colatto, o Ministério do Trabalho tem uma instrução normativa
com 255 exigências aos produtores e eles poderiam perder sua
propriedade por questões não tão importantes. “Nenhuma propriedade no
Brasil cumpre todas estas exigências, e é uma instrução normativa, não
tem respaldo em lei. Quando o funcionário toma água na bica, o produtor
pode ser enquadrado. Tem que ter um banheiro para cada dez funcionários,
azulejo na cozinha. Como vai fazer isto?”.
Para o peemedebista, o produtor rural também não pode ser cobrado da
mesma maneira que uma indústria, por exemplo. “Uma propriedade rural no
meio da Amazônia não pode ter a mesma estrutura que em uma indústria”.
O deputado também ressalta que está ocorrendo na Câmara uma CPI do
Trabalho Escravo e que, portanto, seria mais adequado esperar o fim dos
trabalhos para apreciar a PEC com mais subsídios. “Tem uma CPI que vai
ouvir todos os lados. Agora não é o momento de votar. Não sei por que
tanta pressão se tem uma CPI. Seria uma irresponsabilidade aprovar
agora, vai criar mais conflitos, pode criar desemprego”, diz.
Colatto acredita que se a proposta entrar em votação será derrotada.
“Se o governo quer tanto colocar, tem que colocar na pauta. Vai ser
derrotado”.
Conceito de trabalho escravo é claro, garante Sakamoto
Para Leonardo Sakamoto, o conceito de trabalho escravo é claro, tanto
que está na lei brasileira, no artigo 149 do Código Penal. De acordo
com o texto legal, a condição análoga à da escravidão se dá quando o
trabalhador é submetido a trabalho forçado, a jornada exaustiva, ou a
trabalhar em condições degradantes. O trabalho forçado pode se dar,
segundo a lei, por dívidas contraídas com o empregador, por cerceá-lo de
meios de transporte, manter vigilância ostensiva para que ele não deixe
o local de trabalho ou se apoderar de seus documentos.
O diretor da Repórter Brasil ressalta que o trabalho escravo não está
apenas na legislação brasileira, mas em convenções e tratados
subscritos pelo país na esfera internacional, em instituições como a
Organização Internacional do Trabalho (OIT) e as Nações Unidas. Além
disto, afirma o jornalista, o STF, o TST e outros tribunais brasileiros
já têm inúmeras decisões contra o trabalho escravo. “Primeiro, os
ruralistas diziam que o trabalho escravo não existia. Quando as
evidências contrariavam muito isto, passaram a dizer que o conceito não é
claro. Para estas pessoas não adianta mostrar convenções da OIT, da
ONU, o artigo 149 do Código Penal. Não adianta apresentar fatos para
quem não quer ouvi-los”, diz.
Sakamoto também rebate o argumento de que fazendeiros poderiam perder
sua propriedade por pequenas coisas como não ter azulejo na cozinha.
Segundo ele, é muito comum proprietários que são enquadrados mostrarem
apenas parte de suas autuações, ocultando os motivos principais. “O
trabalho escravo é conjunto da obra”, diz. O jornalista explica que na
maioria das propriedades que descumprem alguma exigência do Ministério
do Trabalho, os empregadores corrigem os erros e não são enquadrados na
lista suja do trabalho escravo. “Apenas 42 mil trabalhadores foram
libertados e existem 18 milhões de trabalhadores rurais no país. Se
fosse como o deputado diz, este número seria muito maior”.
Para jornalista, função social da propriedade é o cerne da discordância
Leonardo Sakamoto ressalta que a imensa maioria dos proprietários
rurais cumpre com suas obrigações trabalhistas. No entanto, a PEC
preocupa grande parte deles porque mexe com a propriedade, dando caráter
efetivo à função social da propriedade, pouco cumprida no Brasil.
“Certa vez o Ronaldo Caiado (deputado federal, DEM-GO) chegou a
dizer que se podia jogar na cadeia quem tivesse trabalho escravo em sua
fazenda, mas que não se tirasse a propriedade. O medo é vincular à
função social. É que haja outros mecanismos, como desapropriar
propriedades por crimes ambientais, por trabalho infantil. Para eles a
propriedade é inviolável”, diz.
O ativista afirma que os produtores deveriam entender que há concorrentes praticando dumping
social, levando vantagem ao submeter trabalhadores a condições
degradantes. “A maioria fica dentro da lei, dá qualidade de vida a seus
trabalhadores e sofre concorrência desleal de quem não dá”, diz.
Ele afirma também que é comum empresários agradecerem depois de
sofrerem pressão da Repórter Brasil e regularizarem sua situação.
“Ruralistas já me agradeceram por terem sido fiscalizados. Hoje, podem
dizer, por exemplo, para o cliente europeu que seu algodão é limpo, o
que não se pode dizer da produção no Paquistão e na Índia”.
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