
"O  cooperativismo é alternativa, mas não solução para tudo. Há  cooperativas funcionando em assentamentos próximos a Porto Alegre, mas a  situação das áreas cedidas para reforma agrária é muito desigual" |  Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Geraldo Hasse
Especial para o Sul21
Especial para o Sul21
Um dos primeiros atos do governador Tarso Genro em janeiro de 2011, a  Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo (SDR) ainda  opera com funcionários emprestados, principalmente pela Emater, mas  termina o ano contabilizando alguns resultados marcantes em favor do seu  público-alvo — 379 mil propriedades rurais de base familiar (86% das  propriedades rurais do Estado), além de 13 300 famílias assentadas em  283 mil hectares de projetos de reforma agrária, 19 mil índios, 8 160  agroindústrias familiares, 3 900 quilombolas e cerca de 500 cooperativas  rurais de pequeno porte.
Das medidas aprovadas nos últimos meses na Assembléia Legislativa, os  maiores benefícios alcançam inicialmente as cooperativas rurais, que  entram em 2012 podendo enquadrar-se no Simples. “Corrigimos um erro que  deixou as cooperativas durante anos fora da simplificação tributária”,  diz o secretário Ivar Pavan, ex-presidente da AL, na qual cumpriu quatro  mandatos como deputado pelo PT. Outra decisão foi incluir as  cooperativas rurais na ajuda fiscal do Fundopem, cujos benefícios  alcançavam grandes agroindústrias mas não os pequenos produtores a elas  vinculados – Pavan cita como exemplos a Nestlé e outras grandes empresas  processadoras de produtos da agricultura familiar.
Com raízes na agricultura familiar de Aratiba, no norte gaúcho, onde  explora 50 hectares em sociedade com irmãos, Pavan destaca que,  atualmente, a SDR tem cinco escritórios regionais operantes nos quais  técnicos orientados pela Emater fazem um diagnóstico da situação do  pequeno cooperativismo rural gaúcho, alvo preferencial da SDR por sua  abrangência econômica e social. “O objetivo do levantamento é preparar  um programa de melhoria da gestão das cooperativas”, diz Pavan,  lembrando que no primeiro governo do presidente Lula (2003-2006) foi  implantado um programa de renegociação das dívidas das cooperativas. A  maior parte das instituições melhorou sua situação, mas algumas ainda  carecem de ajuda. Por isso está em fase de aprovação na Assembléia o  Programa Pró-Cooperação que, entre outras coisas, manda devolver às  cooperativas rurais até 90% do ICMS incidente sobre produtos de origem  agrícola.
Na entrevista abaixo, da qual participou o diretor-executivo do Sul21, Benedito Tadeu César, o secretário fala da agricultura familiar, do cooperativismo e da reforma agrária.

Ivar  Pavan, sobre a reforma agrária: "achamos que a demanda por terra se  esgotou. O que falta para a maioria dos assentados é ajuda técnica" |  Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – Pode-se dizer que a agricultura familiar gaúcha não vai mais pagar imposto?
PAVAN – Diretamente não. Um dos nossos programas já  em operação é a isenção tributária para as vendas da agricultura  familiar à merenda escolar.
Sul21 – O cooperativismo seria indicado para ajudar assentamentos de reforma agrária?
PAVAN – O cooperativismo é alternativa mas não  solução para tudo. Há cooperativas funcionando satisfatoriamente em  assentamentos próximos a Porto Alegre, mas a situação das áreas cedidas  para reforma agrária é muito desigual. Estamos fazendo um diagnóstico do  uso das terras.
Sul21 – Quando vai ficar pronto esse diagnóstico?
PAVAN – Não temos um prazo. O levantamento é difícil  e nosso pessoal é pouco, mas o objetivo é conhecer por dentro a  realidade da reforma agrária no Estado. Sabemos que alguns lotes foram  transferidos para terceiros, tanto que o Incra colocou em oferta pública  duas centenas deles, mas mais da metade dos assentados mora nas glebas,  que pertencem legalmente ao Estado e só após 20 anos de uso podem gerar  título de propriedade para os usuários. Achamos que a demanda por terra  se esgotou. O que falta para a maioria dos assentados é ajuda técnica.
Sul21 – Então não haverá mais assentamentos?
PAVAN – No início do ano, no começo do governo,  houve a ocupação da Fazenda Palermo, em São Borja. O governador me  mandou lá para conversar. Como uma pequena propriedade familiar vai se  sustentar longe dos consumidores? Um assentamento a 40 quilômetros da  cidade, como esse caso de São Borja, é inviável. Ali a vocação da área  está definida há muito tempo para arroz ou pecuária.

"Se  não for viabilizada economicamente, a propriedade familiar também não  se sustentará nem ambientalmente nem socialmente" | Foto: Ramiro  Furquim/Sul21
Sul21 – Quer dizer que a simples posse de terra não resolve?
PAVAN – A reforma agrária veio para resolver um  conflito que não existe mais, pois não falta terra. O que falta é  orientação técnica para os posseiros. O conceito ideológico que envolve o  tema está vencido. O governador quer recuperar a credibilidade da  reforma agrária por meio de uma ajuda concreta às famílias assentadas no  Rio Grande do Sul.
Sul21 – E como será essa ajuda?
PAVAN – O governo do Estado conseguiu uma verba de  R$ 30 milhões do BNDES e vai aplicar outros R$ 30 milhões como  contrapartida em infraestrutura produtiva nos assentamentos. Vamos  investir em estradas, abastecimento de água, eletricidade, melhorias de  solo e armazenagem. Para isso é preciso saber quais os problemas e  prioridades. Alguns assentamentos estão longe dos centros de consumo e  não têm infraestrutura, são inviáveis. Aliás, temos o compromisso de  assentar as famílias acampadas mas somente após definir a vocação de uso  das áreas. Em Hulha Negra, por exemplo, o assentamento está se voltando  para a produção de sementes.
Sul21 – Isso significa que assentamentos podem ser fechados ou reciclados?
PAVAN – O grande desafio a ser enfrentado é a  geração de renda. Se não for viabilizada economicamente, a propriedade  familiar também não se sustentará nem ambientalmente nem socialmente.

"Há  45 mil propriedades familiares sem sucessor no Rio Grande do Sul. Temos  de discutir o nosso modelo de desenvolvimento agrícola. Morar na cidade  é uma ilusão" | Ramiro Furquim/Sul21
Sul21 – A pequena propriedade familiar teria de se comportar como as empresas agrícolas típicas do agronegócio?
PAVAN – Não. Se todo mundo se comportar como  empresário rural, pensando exclusivamente em renda, a sociedade vai ter  de pagar a conta. A diferença entre o agronegócio e a agricultura  familiar é que o agronegócio só procura renda, enquanto o agricultor  familiar tem um modo de vida que inclui morar lá onde ele produz. O  número de agricultores familiares está caindo: 276 mil agricultores  gaúchos saíram do campo na última década segundo o Censo do IBGE.
Sul21 – O êxodo rural começou nos anos 1940…
PAVAN – Esse assunto já era debatido nos anos 1980  no Sindicato dos Trabalhadores Rurais lá de Aratiba. Há 45 mil  propriedades familiares sem sucessor no Rio Grande do Sul. Temos de  discutir o nosso modelo de desenvolvimento agrícola. Morar na cidade é  uma ilusão.
Sul21 – Há mais de 30 anos a canção “Desgarrados”, que ganhou a Califórnia de Uruguaiana, falava disso.
PAVAN – O que precisamos é arranjar soluções para  problemas como a seca. Nossa meta é implantar 5 mil projetos de  irrigação até o fim do governo, mas esse é um trabalho em que precisamos  envolver a Emater, a Embrapa e as universidades junto com os  agricultores.
 
 
 
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Faça seu comentário!!