Felipe Prestes
Um vota-não-vota marcou os últimos meses de 2011 na Comissão Especial da Reforma Política na Câmara dos Deputados. Com o relatório pronto, o deputado Henrique Fontana (PT-RS) e lideranças de seu partido acabaram avaliando que seria melhor deixar a votação para 2012, temendo a desaprovação do que consideram o ponto central: o financiamento público de campanha. “Mudar o sistema para o financiamento público com a redução forte de custos, de sofisticação de campanhas, mexe com muitos interesses. Setores que se beneficiam do financiamento privado com campanhas caras resistem, embora não revelem isto abertamente porque é uma posição antipática”, afirma o relator.
Se o deputado reconhece que há entraves, cientistas políticos ouvidos pelo Sul21 e até mesmo o presidente da Comissão, o deputado Almeida Lima (PPS-SE), acreditam que mudanças significativas dificilmente sairão do papel. Ainda assim, Fontana se diz confiante de que pode aprovar até mesmo o financiamento público de campanha. “Acho que podemos aprovar a redução do mandato de senadores para quatro anos; o fim da suplência de senador (ficando como suplente o deputado federal mais votado da sigla no estado); e projetos que permitem maior participação popular no Legislativo. O financiamento público não é um assunto fácil, mas acredito que é possível aprovar”.
A versão final do relatório já foi entregue, assim como dezenas de emendas, protocoladas por outros deputados. A votação na comissão deve ocorrer após o Carnaval. O objetivo de Fontana é colocar as cartas na mesa, deixando claro que a contrariedade de muitos deputados em mudar qualquer coisa se dá porque querem manter o financiamento privado. Para mostrar isto, ele praticamente eliminou o outro ponto controverso da proposta, que era o sistema de votação. “Foi uma concessão no sentido de deixar mais claro que a mudança que proponho é a do financiamento público”, afirma.
Anteriormente, o petista havia proposto um sistema em que os eleitores votariam duas vezes para cada cargo proporcional – um voto para uma lista, outro em um candidato. Na versão final do relatório, o voto mantém-se igual ao que é hoje: um voto apenas, que pode ser em um candidato ou numa legenda. A diferença é que quem optar pela legenda estará votando em uma lista partidária. “Se um partido tiver 250 mil votos na legenda e 750 mil em candidatos, 25% das vagas serão pela lista e 75% para os candidatos mais votados ”, exemplifica Fontana, que acredita que assim pelo menos parte dos eleitores se debruçará sobre as listas e analisará a coerência dos partidos.
Defesa velada do financiamento privado
Fontana revela que muitos deputados preferiam nem ter que votar temas polêmicos como o financiamento público de campanha. “Tem gente que prefere não votar para evitar o desgaste de se posicionar perante a opinião pública”, diz. O deputado fez uma concessão para a votação, permitindo que fossem feitos destaques individuais. Assim, deputados poderão apresentar, por exemplo, um destaque pela manutenção do financiamento privado. Se tiver maioria, derruba o financiamento público.
“Fiz um desafio democrático aos partidos, de votar o relatório. Se algum partido tem contrariedade, deve propor destaques em separado. Não podemos ficar com partidos atrás de um biombo”, afirma Fontana. O relator explica que a maioria dos defensores do financiamento privado o faz de forma velada, especialmente com críticas ao financiamento público. “Há partidos que estão dizendo para as pessoas que vai faltar dinheiro para hospitais, mas não dizem que a população já paga pelas eleições, no preço dos produtos ou pela corrupção”.
Presidente da Comissão defende plebiscito
Apesar da confiança de Fontana, o presidente da Comissão da Reforma Política, Almeida Lima (PPS-SE), avalia que as principais propostas do relator não devem obter maioria na comissão. “Não acredito que tenha condições, isto tem sido percebido até por ele”, diz.
Almeida Lima defende que os trabalhos do grupo foram bons, mesmo sem a construção de consensos. Ele garante: a comissão vai concluir o trabalho que lhe cabia, votando o relatório. “É importante no Parlamento que haja convergência, mas mesmo quando não é possível o tema deve ser deliberado para construção de maioria. A comissão vai votar e vai apresentar proposta para ser deliberada pelo plenário”, diz.
O parlamentar explica que a comissão percebeu rapidamente que seria impossível que Câmara e Senado conseguissem aprovar um conjunto de leis de tanta complexidade até setembro de 2011, que seria o limite para que as novas regras valessem já para as eleições municipais de 2012. “Quando se percebeu isso, se decidiu dar tempo para que o projeto fosse debatido”, disse. “O avanço que tivemos foi o conhecimento que cada deputado teve a respeito de cada uma das propostas. Há um acúmulo de conhecimento, que nos permitiu, por exemplo, descobrir quais são as posições divergentes”.
Almeida Lima acredita que até o final de 2012, a reforma será uma realidade, mas um reforma tímida. Ele crê que as questões mais importantes, como o financiamento e sistema de votação não sofrerão alterações no Congresso, só sendo possível que isto aconteça por meio de um plebiscito. “Algumas questões mais difíceis de chegar a um acordo podem ser discutidas em plebiscito. Alguns parlamentares, como eu, defendem isto desde o início”, conta.
Para o deputado Henrique Fontana, a ideia de plebiscito é inviável e muitas vezes é defendida por deputados que não querem se posicionar, ou que desejam obstruir a reforma, por saberem que a proposta não tem como sair do papel. “A ideia de plebiscito surge, muitas vezes, para impedir a reforma. Seria extremamente complexo fazer um plebiscito. Se já é difícil o consenso entre os deputados, quem faria as perguntas deste plebiscito? Que perguntas seriam?”, questiona.
Nesta semana, o presidente da Câmara dos Deputados, Marco Maia (PT-RS), defendeu a ideia de uma Constituinte exclusiva para debater a reforma política. Fontana crê que a medida poderia ser eficaz, mas ressalta que isto implicaria que em 2014 ainda teríamos as mesmas regras. “Migrar para o passo da Constituinte significa assumir que a eleição de 2014 vai ocorrer pela mesma regra e, portanto, continuar beneficiando o uso do caixa 2, do poder econômico. Então, eu prefiro todo o esforço para votar no Parlamento”.
Para cientistas políticos, a tendência é a inércia
O impasse na Câmara reforça o ceticismo de cientistas políticos, com um argumento recorrente. “Como é que os políticos vão acabar com as bases pelas quais conseguiram se eleger?”, questiona o cientista político Luiz Gustavo Grohmann, da Ufrgs. Ele é taxativo: “Não sei por que insistem nisto. Nunca vai ter reforma política, a não ser que haja uma hecatombe”.
Ele acredita que só uma “comoção nacional” causaria a reforma, o que não ocorreu nem com inúmeros casos de corrupção. “Para ter uma Constituinte também seriam necessários fatos muito fortes. Não é qualquer coisa que gera uma Constituinte”, diz.
Apesar do ceticismo, Grohmann avalia que as comissões formadas em 2011 no Congresso não são mero jogo de cena. “A Comissão trabalhou bem. Em parte é jogo de cena, em parte, não. Existem deputados que sinceramente querem mudanças, porque entendem que estão em uma situação limite e que podem ir para uma situação melhor. Mas a grande maioria não quer arriscar”, afirma.
Leonardo Barreto, pesquisador da UNB e coordenador do curso de Ciência Política do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), também é cético quanto à reforma, e sob ótica igual à de Grohmann. “Uma reforma política ampla não vai acontecer por um motivo simples: os políticos que estão aí foram eleitos pelas regras atuais, eles dominam o jogo, sabem jogar com estas regras e, de repente, poderiam não saber com as novas”.
Barreto mostra exemplos de como deputados e partidos podem ficar acuados diante de mudanças. “Um deputado que não tem fortes vínculos com a estrutura partidária a que pertence, mas que é bom de voto, poderia mesmo ficar fora de uma lista. Com fim das coligações, partidos pequenos morreriam, e hoje eles ocupam quase metade da Câmara. Para cada ponto há uns que se beneficiam e outros que se prejudicam, por isto tantos dissensos”, afirma.
Barreto acredita que um plebiscito também seria inviável, porque teria que passar pelo crivo do Congresso. “Os deputados não vão deixar alguém decidir por eles, não vão querer perder o controle”. Afirma também que a ideia de uma Constituinte para tratar de vários temas volta e meia vem à tona e depois submerge novamente. “Se fala desde 1993 em desconstitucionalizar um monte de coisas e fazer uma Constituinte, e a reforma política entraria nisto. De vez em quando surge este assunto de novo, o próprio PSD trouxe este assunto quando criado, mas nunca tem prazo para acontecer”, diz.
Henrique Fontana diz que esta constatação não muda os dilemas do sistema eleitoral brasileiro. “Esta constatação, se ocorrer, tem que levar a uma consequência, pois ela não soluciona o desafio. Esta constatação não pode nos levar a uma paralisia”, defende. O relator da reforma na Câmara cobra uma análise mais profunda sobre o tema. “A política é um acúmulo de forças. Quando a Lei da Ficha Limpa entrou na Casa a sensação também era de que não seria aprovada. O que, de fato, está faltando no país é uma mobilização maior. Parte da mídia nacional expõe diariamente a corrupção, mas não facilita o debate sobre os problemas estruturais. Minha expectativa é de que as análises dos cientistas políticos se ampliem”, afirma.
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