15 de fevereiro de 2012

Artigo - Privatização: melhor explicar do que confundir, por João Antônio

O que está em jogo é o projeto de Estado que os governos Lula e Dilma vem conduzindo x o modelo desenhado pelos tucanos no período FHC, abortado pelos eleitores brasileiros em 2002.


O governo da presidenta Dilma, depois de constatar a necessidade de uma maior eficiência nos aeroportos brasileiros, decidiu adotar o modelo de concessão para operação e gestão dos aeroportos de Brasília, Campinas e São Paulo. Esta política poderá ser estendida a outros aeroportos nacionais.
Os adversários do atual governo ergueram suas vozes para impingir aos petistas, especialmente ao governo Dilma, segundo eles, a “autocrítica” necessária e, de forma deliberada, tentam confundir a opinião pública comparando as concessões atuais às medidas privatistas do período do ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso.
É claro que se tomarmos como referencial o conceito amplo de privatizações, entendido como sendo qualquer medida que visa a redução da atividade pública na produção e distribuição de bens e serviços mediante a passagem dessa função para iniciativa privada, aí se incluiriam também as concessões. Porém, se o referencial for o conceito restrito de privatização, disciplinado no direito brasileiro pela Lei nº 9.491/97 - onde privatizar tem o sentido de transformar uma empresa estatal numa companhia privada -, verifica-se que aí não se incluiria a medida adotada pelo governo Dilma. E nem é este debate conceitual que irá resolver o dilema posto entre petistas e tucanos.
Por isso não concordo em enveredarmos por um debate “privatistas x não privatistas”. Francamente! O que está em jogo é o projeto de Estado que os governos Lula e Dilma vem conduzindo x o modelo desenhado pelos tucanos no período FHC, abortado pelos eleitores brasileiros em 2002.
Então vamos ao que interessa. A origem do pensamento tucano está nas teses liberais adaptadas aos tempos modernos. Quais são as teses liberais? Com a ascensão da burguesia como classe dominante, o Estado organizou-se de maneira a ser o mais fraco possível, ou seja, caracterizou-se como Estado mínimo ou Estado-policial, cuja função era quase que somente garantir a ordem social e a segurança externa. Os valores econômicos eram colocados acima dos demais. O conceito de liberdade era sinônimo de livre iniciativa, uma espécie de “liberdade” para se ter mais bens e a propriedade privada inquestionável, portanto um direito absoluto, acima de qualquer interesse coletivo.
No entanto, uma das consequências da ascensão da burguesia como nova classe dominante, decorrente do processo de industrialização, foi a formação da classe do proletariado e, consequentemente, a força de trabalho como uma mercadoria a ser vendida no mercado, que junto com grandes conglomerados urbanos em formação, geraram contradições suficientes para, num movimento dialético, formar movimento propulsor, ora para reformar o modelo liberal no sentido de humanizar o próprio capitalismo, ora impulsionando o movimento socialista como antítese ao capitalismo. O fato é que cada vez mais esta concepção de Estado com funções sociais mínimas foi sendo questionada e já não era suficiente para garantir a sua hegemonia, por demonstrar insuficiência para debelar a profunda desigualdade social nascida no seu interior.
Por outro lado, os defensores da socialização dos meios de produção, de uma economia planificada como meio para se alcançar a igualdade, não conseguiram se estabelecer como alternativa viável ao modelo liberal de Estado, em que pese o seu papel histórico como contraponto à exploração capitalista. Restou então outro caminho: o aprofundamento da democracia representativa com a progressiva valorização do ser humano como centro da preocupação do Estado.  Termos como bem comum e interesse publico se fortaleceram em substituição ao individualismo imperante, sobre todos os aspectos no período do Estado liberal. Entra em cena o chamado Estado Democrático Social de Direito.
Se apegar ao debate semântico sobre o termo privatização é aceitar o reducionismo do debate que verdadeiramente interessa que é o de construir um modelo de Estado onde o desenvolvimento integral do ser humano seja o centro de sua preocupação, e sendo esta a questão central, todas as demais a ela devem estar submetidas. Isso implica na instrumentalização para este fim do ordenamento jurídico pátrio, da condução da economia, das políticas públicas sociais, enfim todas estas tarefas são próprias de um Estado forte e não de um Estado mínimo, como querem aqueles que defendem o resgate das teses liberais, adequando-as ao tempo contemporâneo.
Vale ressaltar que essas teses, chamadas de “neoliberais”, no fundamental tratam de conceitos idênticos: liberdade como sinônimo de livre iniciativa; igualdade do ponto de partida (igualdade formal) com a consequente seleção natural dos “melhores”, onde sobressaem apenas aqueles dotados de “inteligência” ou “expertise” em alguma arte, ou ainda “esperteza” para sobreviver às regras individualistas do salve-se-quem-puder, próprias da dinâmica capitalista onde o direito de propriedade se coloca acima de qualquer direito coletivo. Sabidamente, o Estado brasileiro foi constituído ao longo de sua história, predominantemente, pelos ventos do ideário liberal que sopravam das bandas da Europa.
Quando FHC optou por reduzir drasticamente o tamanho do Estado brasileiro, privatizando setores estratégicos para o desenvolvimento nacional, na prática atendia a um sentimento dominante dos liberais, de solução das demandas sociais pela regulação do mercado. Aliás, péssima visão de mercado, pois no fundo o que fizeram foi concentrar riqueza nas mãos alguns grupos econômicos, ao vender a preço vil setores fundamentais para o país, entregando um enorme patrimônio, tais como setores siderúrgico, mineral, elétrico e de telecomunicações. Sob o argumento da diminuição do Estado, entregaram ao capital privado um vasto patrimônio público construído ao longo de décadas pelo esforço dos brasileiros.
O curioso é que estes defensores da tese do Estado mínimo ficam irritados quando são tachados de neoliberais. Preferem ser classificados como social-democratas. Ao que consta, a tese do Estado mínimo não combina com a social-democracia no mundo, pelo contrário ambas são diametralmente opostas.
Quando os Governos Lula e Dilma resistem em continuar privatizando empresas estratégicas tais como Petrobras, Correios, bancos de fomento (Banco do Brasil, BNDES, Caixa econômica), é por convicção do papel do Estado como propulsor do desenvolvimento do ser humano. Estas instituições cumprem o papel de tornar o Estado, de fato, um instrumento a serviço do bem comum - desde que seja indutor do desenvolvimento sustentado com distribuição renda, regulador das atividades econômicas, sempre colocando no centro de sua ação os interesses da coletividade.  Eis o que diferencia na essência o Estado Democrático Social de Direito defendido pelo PT do que pregam os ideais liberais tucanos e aliados.
Usar as concessões dos aeroportos como manto para encobrir divergências conceituais profundas quanto ao papel do Estado, para além de uma desonestidade intelectual, serve para confundir ao invés de explicar. Este debate sobre o papel do Estado é definidor do futuro do nosso país. Tergiversar com dissimulações oportunistas é tentar confundir a opinião pública e não faz bem para a democracia.

João Antonio é deputado estadual (PT/SP), secretário de Organização do PT Estadual de SP e mestrando em Filosofia do Direito (PUC-SP)

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