3 de março de 2012

“Veículo do século XXI será a bicicleta”, diz idealizador da Massa Crítica


André Carvalho
Quem tem uma bicicleta e costuma usá-la cotidianamente, seja de maneira lúdica, seja como um meio de transporte, certamente já ouviu falar – e possivelmente já tenha até participado – do evento ciclístico denominado Massa Crítica. Mundialmente conhecida, a pedalada que ocorre uma vez por mês ganhou destaque em Porto Alegre após o trágico atropelamento ocorrido no dia 25 de fevereiro de 2011, quando um motorista jogou seu carro contra um grupo de 150 ciclistas, deixando 17 feridos, fato que gerou repercussão mundial e comoção social.
Um ano após o ocorrido, Porto Alegre voltou a ganhar destaque mundial, porém, desta vez de maneira positiva, onde, devido ao fatídico atropelamento, a capital virou palco do 1º Fórum Mundial da Bicicleta, que recebeu mais de duas mil pessoas vindas de todo o mundo para debater o mais famoso (e por incrível que pareça), mais polêmico veículo de propulsão humana do planeta.
Dentre os grandes nomes que participaram do evento, estava o do escritor e cicloativista estadunidense Chris Carlsson, que há vinte anos idealizou junto com seus amigos ciclistas a Massa Crítica, fenômeno que ocorre hoje em mais de trezentas cidades ao redor do globo.

Segundo cicloativista, violência contra ciclistas no ano passado acabou sendo a força que motivou Fórum Mundial da Bicicleta | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

“Nós também somos o trânsito”

Chris conta que a pedalada nasceu devido a uma demanda que havia por parte dos ciclistas, que estavam cansados de ver as bicicletas serem tratadas como objetos de lazer e gostariam que elas tivessem os mesmos direitos de ocupar as ruas, assim como os carros têm. “Nos anos final 80, pouquíssima gente andava de bicicleta em San Francisco. Mesmo já tendo ciclovias e ciclofaixas nas principais vias da cidade, era muito perigoso andar de bicicleta naquela época. Então, cansados de correr riscos, decidimos nos reunir uma vez por mês para passear pela cidade e mostrar que as bicicletas também faziam parte do trânsito”, descreveu.
Para a surpresa do cicloativista, na primeira Massa Crítica quase 50 pessoas apareceram de bicicleta tocando as suas sinetinhas. No segundo mês, o grupo já contava com umas 75 pessoas, no terceiro, mais de 130 ciclistas. “Em seis meses era um grande evento de conhecimento de diversas pessoas da cidade e a partir daí, muitos começaram a utilizar a bicicleta como um meio de transporte”, completou.

"Quanto mais pessoas pedalam, mais pessoas tendem a pedalar depois”, diz idealizador internacional da Massa Crítica | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Para ele, pedalar é uma ideia que já está na mente das pessoas do mundo inteiro, por isso a Massa Crítica se propaga com facilidade pelo mundo.  “Essa ação chama-se de inconsciente coletivo. Quer dizer, é uma ideia que se espalha de forma sub-consciente, sem divulgação. Ela simplesmente ganha força. E quanto mais pessoas pedalam, mais pessoas tendem a vir a pedalar depois”, garante.
Carlsson afirma que esta lógica de aumento de ciclistas é possível de ser comprovada, a partir da cidade de San Francisco (local onde nasceu e pedala desde os 13 anos de idade). “Até o final dos anos 80, existiam cerca de sete mil ciclistas nas ruas. Atualmente, temos aproximadamente 140 mil bicicletas ocupando o seu espaço no trânsito, ou seja, 20 vezes mais. E a tendência é que este número aumente ainda mais”. Além disso, ele acrescenta: “Mas isso não é apenas em San Francisco, esse aumento acontece em toda e qualquer cidade que começe a dar espaço para as bicicletas”.

Cicloativista fez questão de pedalar em Porto Alegre, como forma de “conhecer, sentir, ver e ouvir” a cidade | Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Apesar de ter trânsito conflituoso, Porto Alegre pedala rumo a uma cidade mais ciclável

Sobre o atropelamento coletivo protagonizado por Ricardo Neis, Chris Carlsson reconhece que foi o mais trágico que a Massa Crítica já enfrentou, mas defende que enquanto a cultura social girar em torno do carro, os ciclistas sempre estarão correndo riscos. Por outro lado, ele afirma que “toda ação gera uma reação” e a prova disso está na origem do Fórum Mundial da Bicicleta. “O fórum nasceu como uma contra-resposta a violência no trânsito que ocorreu há um ano aqui, e que ocorre diariamente em diversas partes do mundo”, destacou.
Carlsson, que enquanto esteve em Porto Alegre, fez questão de pedalar pela cidade com o objetivo de – como ele diz -, “conhecer, sentir, ver e ouvir” o local onde está. Porém, o cicloativista afirma que a situação da cidade não é das melhores. “Os motoristas são violentos, sem consideração e respeito com os ciclistas. E pra complicar, não há ciclovias e ciclofaixas na cidade, o que prejudica ainda mais o trânsito cicloviário”, denunciou, explicando que apesar dos problemas, a cidade pedala rumo a um mundo mais ciclável. “O veículo do século XXI será a bicicleta, é tudo uma questão de tempo”.

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